Os dados sobre o câncer de próstata no Brasil são alarmantes. Ainda que tenha alta probabilidade de cura, caso detectada de maneira precoce, a doença causou cerca de 48 mortes por dia no Brasil, no último ano, segundo dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Muitos homens acabam adiando ou mesmo deixando de fazer os exames de rastreio – que devem ser realizados anualmente, a partir dos 50 anos, ou antes, em casos de maior risco ou diante de sintomas e recomendação médica individual. Alguns, mesmo diagnosticados, têm receio do tratamento pelo medo dos possíveis efeitos.
A sexualidade é uma das preocupações – e o assunto precisa ser levado a sério. Pode até parecer secundário, para quem não vive o problema na pele, mas não é incomum ver casos de indivíduos que demoram a buscar ajuda médica ou até que se recusam a fazer os tratamentos necessários, por medo da disfunção erétil.
O tratamento cirúrgico do câncer de próstata tem uma grande incidência de disfunção erétil, que é um dos maiores temores do paciente. Ele fica quase em luto ao receber essa notícia e isso o afeta emocionalmente”, afirma o médico urologista Fernando Facio, coordenador do Departamento de Andrologia, Reprodução e Sexualidade da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e professor adjunto de Urologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).
O medo é justificado porque, de fato, as abordagens terapêuticas e o próprio tumor, dependendo da forma como avança, podem levar à impotência sexual. “A cirurgia de próstata é mutiladora, mas tem alto índice de ser curativa”, afirma Facio. Segundo ele, até 70% dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico podem ter disfunção erétil, assim como quem passa por radioterapia ou faz o bloqueio hormonal. O próprio câncer também leva à disfunção erétil em diversas situações, sobretudo quando o tumor invade os tecidos ao redor da próstata.
No entanto, tudo isso depende de uma série de fatores, como o estágio e a localização em que o câncer é diagnosticado, as condições de saúde do paciente no momento da identificação do tumor e o tipo de terapia recomendada, além da idade. “Quando se opera um homem de 40, 45 ou até de 50 anos, a chance de ele ter disfunção erétil é ao redor de 5%. Já quando se opera um paciente de 70 anos, como a chance de ele já estar impotente é de 30% a 50%, isso piora. Nessa faixa etária, quando o paciente é potente, o risco aumenta até 50%”, aponta o médico urologista e cirurgião Carlo Passerotti, do Centro Especializado em Urologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).
Por que a disfunção erétil acontece?
Para que uma ereção ocorra, é preciso que a quantidade de sangue que entra no pênis seja maior do que a quantidade que sai dele. Alguns nervos, que ficam próximos da próstata, têm um papel importante nesse mecanismo, conduzindo os estímulos. Em uma cirurgia, na radioterapia ou mesmo com o avanço do próprio tumor, estes nervos podem ser lesados, afetando a capacidade de ereção.
Outra possibilidade é a falta de libido, que também é relativamente comum em pacientes com câncer de próstata. Neste caso, o desejo sexual diminui por conta de preocupações, tensões e outras questões psicológicas, que podem acontecer quando o paciente recebe a notícia de que tem um câncer. Em algumas situações, as terapias contra o câncer envolvem o uso de medicamentos que reduzem os níveis de testosterona, que é um dos principais hormônios sexuais masculinos, o que também pode acabar afetando o desejo sexual.
Recusa ao tratamento
Mesmo que o assunto, aos poucos, tenha perdido um pouco o status de tabu, com mais visibilidade do assunto na mídia e em campanhas de conscientização, ainda há reticência quanto às possíveis sequelas do tratamento. Isso acontece mesmo que o índice de cura do câncer de próstata seja alto. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o diagnóstico precoce possibilita uma taxa de sobrevida de até 90% em cinco anos. “Ainda assim, quando um homem recebe a notícia de que tem câncer e que uma das formas de tratar é a cirurgia, o que passa pela cabeça dele é que ele vai ficar impotente”, atesta Facio. Por essa razão, muitos pacientes acabam protelando o tratamento.
Segundo o especialista, neste cenário, é muito importante que o médico acolha o paciente e tenha com ele uma conversa franca, demonstrando que o primeiro passo é aceitar o diagnóstico, fazer a cirurgia, se curar e, depois disso, buscar as formas de recuperar o que ele pode eventualmente perder, como a potência sexual. “Até porque existem oportunidades para tratar as sequelas”, garante o especialista.
Vida sexual de volta: há esperança
A preocupação é legítima, mas, atualmente, há opções para o paciente. É importante que o médico converse sobre isso, acolhendo os temores e explicando tudo o que pode ser feito.
Quando o tumor é localizado e pequeno, a chance de impotência também é bastante baixa”, exemplifica o urologista Carlo Passerotti.
Hoje, existem alternativas tanto para abreviar o tempo pelo qual o homem fica impotente depois de um tratamento, como para diminuir o risco de isso acontecer.
O tratamento para câncer de próstata evoluiu muito ao longo das últimas décadas. “A chance de as radioterapias lesarem órgãos ao redor diminuiu bastante: há alguns anos, era de 40 a 50%, hoje fica ao redor de 7%”, afirma Passerotti. Segundo ele, a ascensão da cirurgia robótica, que é mais precisa e oferece maior controle dos movimentos, também influenciou essa redução.
O que evoluiu mais ainda desde o início deste século foram os remédios para ereção. “Isso melhorou muito o tratamento da disfunção erétil”, afirma o cirurgião do Hospital Oswaldo Cruz. “Além das medicações orais, existem remédios locais, como géis e substâncias injetáveis. Há também as próteses penianas. O paciente só fica impotente se ele realmente desejar não ter mais relações”, afirma o médico. Ele lembra também que existem tratamentos com fisioterapia, usando uma bomba à vácuo, para estimular o nervo a voltar a funcionar como antes.
Mas será que os medicamentos para ereção podem ser usados com segurança por pacientes com câncer? Passarotti explica que, em geral, sim, porque são remédios que atuam na circulação peniana. A atenção deve estar em fármacos que têm o objetivo de aumentar a testosterona, mexendo na parte hormonal. “A testosterona tem o papel de estimular o desejo, que é importante para a ereção. Mas isso deve ser visto com cuidado. Nem todo paciente que teve câncer pode usar”, observa. De qualquer forma, o médico deve analisar caso a caso para fazer a melhor recomendação.
Suporte emocional
O papel da parceira (o) é fundamental, em qualquer um dos casos. “É uma das questões mais importantes”, aponta o urologista Fernando Facio. “O acolhimento familiar e o acolhimento dentro do fórum íntimo têm uma importância muito grande para que o homem tenha a oportunidade de se tratar e depois buscar resolver possíveis sequelas”, acrescenta.
O suporte emocional de um profissional especializado em saúde mental, como um psicólogo, também pode fazer total diferença no tratamento e nos resultados.
O diagnóstico de câncer ainda é visto como sinônimo de uma sentença para muitas pessoas e esse impacto chega não só ao paciente, como à família e às pessoas próximas”, explica Ana Cristina Tofani, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), autora de uma tese sobre autoconfiança, depressão, ansiedade e tensões em pessoas com câncer de próstata.
Ela lembra que a cultura do machismo torna tudo ainda mais difícil. “A questão do câncer de próstata está diretamente relacionada à sexualidade e é esperado que o homem seja forte e ativo e continue a desempenhar suas funções, entre elas a sexual”, aponta. “O sexo, às vezes, é visto pelo homem como o desempenho ligado apenas à capacidade de ereção”, lembra. Em muitos casos, é necessário lembrá-lo de que isso está longe de ser verdade. A terapia pode ajudá-lo a enfrentar a situação e, inclusive, a enxergar outras formas de se relacionar – e de buscar a cura.