Você já ouviu que cenoura faz bem para a vista? O conselho de avó faz sentido. O alimento é rico em betacaroteno, que o corpo transforma em vitamina A, essencial para a saúde da retina. Mas pesquisadores chineses fizeram uma nova descoberta sobre o impacto da alimentação no cuidado com os olhos. Um estudo realizado com mais de mil crianças, em Hong Kong, apontou que uma dieta rica em ômega 3, um grupo de ácidos graxos essenciais, pode atuar como fator protetivo contra a miopia e a dificuldade de enxergar à distância.
Encontrado em peixes como salmão, arenque, atum e sardinha, o ômega-3 é um tipo de gordura boa, conhecido por ter ação anti-inflamatória e por preservar a memória e a saúde do cérebro. Para chegar à conclusão, os pesquisadores avaliaram a dieta de 1.005 participantes, com idades entre 6 e 8 anos, por meio de um questionário de frequência alimentar. Eles cruzaram as informações sobre alimentação com as avaliações oftalmológicas dos participantes, considerando fatores de risco relacionados ao estilo de vida, como tempo de atividade ao ar livre e tempo de tela, entre outros.
Os autores descobriram que 27,5% das crianças apresentaram miopia, mas a prevalência era menor entre as que indicavam maior ingestão de alimentos ricos em ômega 3 no dia a dia. Por outro lado, nos casos em que a alimentação era mais rica em gorduras saturadas (que são aquelas encontradas em carnes gordas, ultraprocessados e frituras), o risco era maior. Comparando o grupo com maior ingestão de ômega-3 com o de menor ingestão, o risco de miopia caiu quase pela metade. A pesquisa foi publicada recentemente no British Journal of Ophthalmology.
Ômega 3 e saúde dos olhos: qual é a relação?
A dieta rica em ômega 3 melhora a circulação na coroide, que é a camada vascular responsável pelo envio de nutrientes e oxigênio à esclera, a parte branca do olho, que reveste o globo oscular. “A boa oxigenação fortalece as fibras da esclera, tornando-a mais rígida”, explica o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, diretor executivo do Instituto Penido Burnier (SP) e membro fundador da Academia Brasileira de Controle da Miopia e Ortoceratologia (ABRACMO).
A miopia é uma condição relacionada a alterações no formato do olho. “O comprimento axial é a distância entre a córnea (a parte frontal e transparente do olho, que capta a luz) e a parte de trás da retina. É o principal parâmetro para acompanhar e controlar a progressão da miopia. Especialmente em crianças, o comprimento axial é mais alongado no olho míope”, esclarece Queiroz Neto. Por conta disso, os raios de luz se concentram à frente da retina e não diretamente sobre ela (onde deveriam focar para formar uma imagem nítida), o que leva à dificuldade para enxergar de longe.
A dieta rica em ômega 3 fortalece a esclera, impedindo o crescimento do globo ocular, o que resulta em menor progressão da miopia. “Por outro lado, uma dieta rica em gordura saturada, com alimentos ultraprocessados, por exemplo, prejudica a circulação fluída do sangue na coroide”, diz o médico. O baixo fluxo sanguíneo reduz a oxigenação, afinando a esclera, que fica mais fina e maleável, permitindo o alongamento do olho, que caracteriza a progressão da miopia.
Miopia em crianças: um cenário preocupante
A miopia é uma ameaça global para a saúde pública, com prevalência crescente em todo o mundo. Uma metanálise da Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 2050 mais da metade da população global (51%) será atingida pela condição. Outra meta-análise, que avaliou 5,4 milhões de crianças e adolescentes de 50 países, indicou que a prevalência global de miopia cresceu de 24 a 25% nos anos 1990-2000 para 35 a 36% em 2020-2023. De acordo com este estudo, publicado em 2024, a estimativa é de que até 2050, 40% das crianças e adolescentes sejam diagnosticados com miopia.
No Brasil, os dados também acendem um alerta. Uma meta-análise de 11 estudos com estudantes de 3 a 18 anos mostra que a cada 13 crianças, uma tem miopia. O trabalho foi conduzido por pesquisadores do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A relação com as telas executa um papel importante nisso. Um estudo do Instituto Penido Burnier, de Campinas (SP), conduzido por Queiroz Neto com 360 crianças, com idades entre 6 e 10 anos, sugeriu que o excesso de esforço visual ao olhar para telas, de perto, causa espasmos nos músculos ciliares que movimentam o cristalino (que funciona como uma lente, que foca os raios de luz que entram no olho, direcionando-os para a retina). Estes espasmos alternam o foco nas várias distâncias e leva à chamada miopia acomodativa. “É diferente da miopia patológica, em que o eixo da visão cresce”, ressalta o oftalmologista. Nesse caso, como as crianças estão em desenvolvimento, a condição pode ser revertida com mudança de hábitos, segundo o autor do trabalho.
Além de atrapalhar a rotina, causando dificuldades para enxergar, a miopia pode ter outras consequências, mais graves. Entre elas, o aumento do risco para doenças oculares que podem até causar a perda da visão na idade adulta, descolamento de retina, degeneração macular miópica (condição que compromete a retina), glaucoma e catarata precoce, entre outros. “Por isso, é importante controlar a progressão da miopia em crianças”, alerta o médico. Assim, é possível reduzir significativamente o risco de doenças oculares sérias e garantir melhor qualidade de vida, não apenas a curto prazo, na infância, mas também na vida adulta.
Do prato para os olhos
A pesquisa de Hong Kong sugere que a alimentação pode ser um fator importante para combater essa tendência, embora mais estudos sejam necessários. De qualquer forma, é importante destacar que os resultados demonstram uma associação, mas não provam uma relação de causa e efeito entre a falta de ômega 3 e o desenvolvimento da miopia. “Até agora, não há evidência de que a alimentação ou suplementação sozinhas revertam ou interrompam a miopia estabelecida, mas há indicações de que certos nutrientes — especialmente o ômega-3, antioxidantes e vitaminas específicas — podem modular fatores fisiológicos envolvidos na progressão, funcionando como coadjuvantes, não como tratamento isolado”, explica Queiroz Neto.
O oftalmologista Halim Féres Neto, membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e diretor da clínica Prisma Visão (SP), ressalta que, apesar dos possíveis benefícios, a suplementação de ômega 3 em crianças só deve ser feita com orientação médica. “Doses altas podem interferir na coagulação e metabolismo lipídico [a forma como o organismo lida com as gorduras]”, ressalta.
Como prevenir a miopia
A alimentação equilibrada, com fontes de ômega-3, apoia a saúde dos olhos e pode ajudar na prevenção da miopia, mas não é o único fator. Féres Neto ressalta que incluir o nutriente na dieta ou na suplementação, em casos necessários, faz sentido, mas não substitui outros cuidados. “É importante orientar que brincadeiras ao ar livre e a limitação do tempo de tela têm impacto comprovado, enquanto o papel da dieta ainda está em fase de pesquisa”, compara.
Outras medidas fundamentais na prevenção da miopia, de acordo com o oftalmologista do CBO são:
• Exposição solar diária: 1 a 2 horas por dia reduzem o risco de desenvolver miopia em até 30 %.
• Pausas a cada 30–40 minutos de leitura ou tela.
• Ambientes iluminados e postura adequada.
• Avaliações oftalmológicas regulares para medir refração e comprimento axial.
• Em crianças já míopes: discutir com o médico oftalmologista tratamentos para controle de miopia, como uso de colírio de atropina e uso de lentes de contato ou óculos especiais.