Já está bem estabelecido na ciência que a amamentação é essencial para a saúde do bebê e para a mãe, seja a curto ou longo prazo. Para os pequenos, o leite materno é como um alimento completo, fornecendo os nutrientes, proteínas e vitaminas essenciais para o crescimento. Além disso, a amamentação contribui para o desenvolvimento do sistema imunológico, protegendo o bebê contra doenças, alergias e infecções.
Para as mães, os benefícios da amamentação são variados, como o fortalecimento do vínculo entre ela e a criança e redução de risco de hemorragia pós-parto, assim como da mãe desenvolver certas doenças, entre elas o câncer de mama.
Essa espécie de proteção conferida à saúde materna pelo aleitamento já era algo conhecido da ciência, como mostrou uma pesquisa de julho do ano passado, publicada na revista Cancer Medicine. O estudo em questão revelou que, a cada um ano de aleitamento materno, a possibilidade de uma mulher desenvolver câncer de mama pode reduzir em 4,3%.
No entanto, ainda não estava claro os motivos e como exatamente o aleitamento materno ajuda a reduzir o risco de tumores malignos. Recentemente, pesquisadores deram um passo importante para esclarecer essa questão.
Segundo um estudo australiano publicado na revista científica Nature, apresentado no congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo), em outubro deste ano, mulheres que amamentam seus filhos têm mais células imunológicas especializadas que reduzem as chances de desenvolvimento do câncer de mama triplo negativo.
A explicação estaria no fato de que, depois de um ciclo completo de gravidez, amamentação e recuperação das mamas, o organismo seria estimulado a desenvolver mais células T-CD8+ (também chamadas de linfócitos T citotóxicos), cujo papel é atuar na defesa contra vírus, bactérias e células tumorais.
Ou seja, o processo de amamentação fortalece o sistema imunológico da mãe, como explica a médica Carolina Sanchez Aranda, Vice Coordenadora do Departamento Científico de Erros Inatos da Imunidade da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). “O sistema imunológico da mãe passa por várias transformações para poder sustentar uma gestação. Durante a amamentação, esse sistema se reorganiza, favorecendo a formação dos linfócitos T, que são células protetoras e, assim, diminuindo a chance da mãe desenvolver doenças como o câncer de mama”, afirma.
Entenda como foi feito o estudo
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores realizaram o estudo em três etapas, com humanos e animais. Na primeira etapa, eles analisaram amostras de tecido mamário de 260 mulheres que foram submetidas à redução de mama ou mastectomia preventiva (algumas com risco normal e outras com risco elevado de câncer de mama) e compararam a contagem de células T do tecido mamário de mulheres com ou sem filhos.
O resultado desta primeira análise mostrou que as mulheres que tinham filhos apresentavam mais células T, que protegem o organismo contra o câncer de mama. Segundo os pesquisadores, algumas dessas células T eram de vida longa e haviam persistido por até 50 anos depois da gravidez.
A segunda etapa do estudo foi feita com ratos para analisar a proteção contra o câncer, comparando animais que haviam procriado e amamentando com animais que não tiveram filhotes. Para a análise, células tumorais foram implantadas nas glândulas mamárias dos animais. O resultado desta etapa mostrou que os animais que já haviam passado pelo processo de lactação tinham tumores menores em comparação com os que não amamentaram.
Na terceira e última etapa do estudo, a equipe analisou cerca de 1.000 mulheres com câncer de mama triplo-negativo que haviam tido filhos. Aquelas que amamentaram tiveram melhores taxas de sobrevivência e seus tumores continham mais células T do que aquelas que não amamentaram.
“Esse estudo foi muito consistente em mostrar que o ato de amamentar e todo o mecanismo de involução (processo natural em que a mama volta ao estado natural) favorece a produção dessas células de defesa que persistem décadas no corpo, não só na mama da mulher, mas em todo o organismo”, resume a ginecologista Silvia Regina Piza F. Jorge, Presidente da Comissão Nacional Especializada em Aleitamento Materno da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Impactos para o tratamento do câncer
O estudo publicado na Nature conseguiu mostrar evidências mais robustas de como a amamentação estimula as células de defesa contra o câncer de mama triplo-negativo, mais comum em mulheres abaixo dos 40 anos e considerado um dos mais agressivos.
Esse tipo de tumor é definido pela ausência de três marcadores importantes: receptores de estrogênio, receptores de progesterona e a proteína HER2. Essas características fazem o tumor ter um crescimento mais rápido, maior probabilidade de se disseminar e maior chance de recidiva após o tratamento.
“É um câncer difícil de tratar, e por isso o artigo foi tão importante. A partir do momento que você esclarece que a amamentação consegue regular essas células imunológicas sem nenhuma medicação, é possível estudar outras formas de tratamento”, acrescenta a médica da Asbai.
Embora estudos desse tipo reforcem a importância do aleitamento materno, é claro que a amamentação por si só não vai eliminar as chances do desenvolvimento do câncer de mama. “O risco de câncer de mama é multifatorial, envolve também questões genéticas e de estilo de vida. Mas sem dúvida a amamentação desponta como um pilar de regulação do sistema imunológico que pode contribuir para a saúde da mãe e diminuir o risco do tumor”, finaliza a ginecologista Silvia Jorge, da Febrasgo.