A pressão estética, a promessa de vitalidade e a enxurrada de conteúdo sobre hormônios nas redes sociais têm levado mais mulheres a buscar terapia de reposição de testosterona. Embora não haja dados oficiais atualizados — até porque não existem formulações aprovadas para uso feminino —, a tendência preocupa entidades médicas, que alertam para riscos graves de virilização e problemas metabólicos.
O alerta: SBEM, Febrasgo e Sociedade Brasileira de Cardiologia reforçam que a única indicação comprovada é para o Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH);
O mito: o uso para emagrecimento, ganho de massa ou “energia” não tem respaldo científico e traz riscos à saúde;
Os riscos: acne, queda de cabelo, alterações na voz, aumento do clitóris e danos ao fígado estão entre os efeitos colaterais;
O cenário: a busca desenfreada reflete uma sociedade que medicaliza o envelhecimento e busca soluções mágicas.
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Em maio de 2025, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia emitiram um alerta conjunto.
“Muitas mulheres recorrem à testosterona em busca de benefícios como emagrecimento, aumento de massa magra, melhora do humor e da vitalidade, mesmo sem deficiência androgênica comprovada ou indicação formal respaldada por evidências científicas”, afirma o endocrinologista Felipe Henning Gaia Duarte, presidente da SBEM-SP.
Hormônio com indicação restrita
Apesar da fama de “hormônio masculino”, a testosterona circula no corpo feminino e ajuda a manter massa muscular e libido. Com o envelhecimento, esses níveis caem. No entanto, a reposição só é indicada para mulheres na pós-menopausa diagnosticadas com Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH), após a exclusão de outras causas.
Para o ginecologista José Maria Soares Junior, da Febrasgo, sinais normais do envelhecimento acabam sendo tratados com remédios desnecessários. “Acontece que a testosterona tem limitações claras e é preciso falar, com transparência, sobre seus efeitos reais e seus riscos”, pontua.
O Consenso Global sobre Terapia de Testosterona em Mulheres não encontra respaldo para uso com fins estéticos, cognitivos ou de prevenção do envelhecimento. “Existem indicações e contraindicações para a terapia hormonal clássica, então é muito importante acompanhar a paciente”, explica a ginecologista Helena Hachul De Campos, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Riscos da virilização
O uso fora das indicações traz consequências sérias. Entre os sinais de virilização estão acne severa, aumento de pelos em padrão masculino, queda de cabelo, engrossamento da voz e aumento do clitóris (hipertrofia clitoriana) — este último, muitas vezes irreversível.
Também há riscos metabólicos, como resistência à insulina, piora do colesterol e danos ao fígado (hepatotoxicidade), além de alterações de humor como agressividade e ansiedade.
Dificuldade no diagnóstico
Outro entrave é a medição do hormônio. Como as mulheres têm níveis fisiológicos muito baixos, exames comuns de laboratório (imunoensaios) muitas vezes não são precisos. “A falta de valores de referência universais torna complexa a determinação do que seria o nível normal”, diz Felipe Duarte, recomendando cautela na interpretação dos exames.
Para os especialistas, a resposta não está na “pílula mágica”, mas em uma abordagem global que inclua sono, nutrição, exercícios e saúde mental. “A gente perde um pouco da velocidade, mas ganha em maturidade. É importante aceitar essas modificações, fazer o que é possível, mas não viver em função de ser sempre mais jovem”, conclui Helena Hachul.