Um relatório divulgado pela Fundação do Câncer acendeu um alerta sobre o câncer colorretal no Brasil. O Info Onco Collect 2025 – Volume 10, publicado no último dia 27 de novembro, analisou cerca de 177 mil casos, registrados entre 2013 e 2022, e revelou que mais de 60% deles foram diagnosticados tardiamente. Destes, metade já estava em estágio 4, quando há metástase, e 25% em estágio 3, duas situações que reduzem significativamente as possibilidades de tratamento e a taxa de sobrevida.
Os dados mostram que apenas uma pequena parcela dos brasileiros recebe o diagnóstico ainda na fase inicial da doença, quando as chances de cura são maiores. Para a Fundação do Câncer, esse cenário reflete falhas estruturais no acesso ao rastreamento, à investigação de sintomas e à realização de exames como a colonoscopia, principal método para identificar e prevenir a evolução do câncer colorretal.
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Embora seja um dos tumores mais preveníveis, já que, na maioria dos casos, evolui a partir de pólipos que poderiam ser removidos precocemente, o país ainda enfrenta grandes obstáculos para ampliar a detecção precoce. O levantamento também chama atenção para desigualdades regionais, já que o Sul e o Sudeste concentram o maior número de diagnósticos e também a maior disponibilidade de infraestrutura.
A preocupação se soma a dados revelados anteriormente, também pela Fundação do Câncer, apontando que os registros de câncer colorretal – o terceiro mais comum no Brasil, em homens e mulheres – podem aumentar em 21%, saltando de 58 mil para 71 mil casos, até 2040. Investir em prevenção, no diagnóstico precoce e no acesso ao tratamento, portanto, é uma urgência em saúde para tentar reverter ou, pelo menos, minimizar este cenário.
Segundo o epidemiologista Alfredo Scaff, consultor médico da Fundação do Câncer, o crescimento pode ser explicado pelo envelhecimento da população, já que a incidência é maior depois dos 50 anos, e também por alguns hábitos, que são fatores de risco, como sedentarismo, obesidade, tabagismo e consumo excessivo de carnes vermelhas, ultraprocessados e embutidos.
A pesquisa da Fundação do Câncer foi feita com cálculos baseados em dados dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como prevenir o câncer colorretal?
O câncer colorretal abrange os tumores localizados no cólon, que é parte do intestino grosso, no reto, que corresponde ao final do intestino, e no ânus. A prevenção, como acontece com diversos tipos de câncer, inclui a adoção de um estilo de vida saudável. “O primeiro ponto para frear esse crescimento é a prevenção, com foco na atividade física, boa alimentação e combate ao tabagismo”, recomenda o coordenador do estudo da Fundação do Câncer, Alfredo Scaff.
“O segundo ponto é o diagnóstico precoce por meio da colonoscopia”, afirma o epidemiologista. O câncer colorretal é silencioso, porque não costuma apresentar sintomas nas fases iniciais. Daí a importância do rastreamento, feito por exames como a colonoscopia, que permite a visualização direta do interior do cólon e do reto. Antes, a recomendação era fazer o rastreio a partir de 50 anos, mas, desde março de 2025, as sociedades médicas anteciparam a indicação para os 45 anos.
A periodicidade do exame depende de cada paciente e das orientações médicas. De forma geral, em pacientes saudáveis, de baixo risco e sem histórico familiar da doença, a colonoscopia pode ser feita a cada cinco anos.
Os sintomas iniciais do câncer colorretal muitas vezes são inespecíficos, como dores abdominais e cólicas, o que pode retardar a busca por atendimento. “Alguns sinais, no entanto, exigem atenção imediata, como sangramento nas fezes — frequentemente confundido com hemorroidas — e o afilamento das fezes, que pode indicar obstrução parcial do intestino provocada pelo tumor. Reconhecer esses sintomas é essencial para que o diagnóstico não aconteça apenas em fases avançadas”, alerta o médico oncologista Oren Smaletz, do Einstein Hospital Israelita (SP).
Smaletz lembra, no entanto, que 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS para seus cuidados de saúde, um ponto central quando se fala em prevenção do câncer colorretal. Atualmente, o sistema público não oferece colonoscopia de rastreamento de forma estruturada, o que limita a detecção precoce da doença. “Para avançar, seria necessário incluir esse exame como parte das diretrizes de prevenção, priorizando, ao menos, os grupos de maior risco — especialmente pessoas com histórico familiar significativo de câncer colorretal. Quando não é possível oferecer colonoscopia para todos, o foco deveria recair sobre aqueles com maior probabilidade de desenvolver a doença”, afirma o especialista.
Além da limitação no acesso ao rastreamento, há também um impacto financeiro expressivo decorrente do diagnóstico tardio. Um levantamento da LifesHub, especializada em inteligência artificial e Big Data Analytics, mostra que o Sistema Público de Saúde gastou R$ 3,59 bilhões com tratamentos de pacientes com câncer colorretal entre janeiro de 2021 e setembro de 2025. Em 2023, as despesas chegaram a R$ 753,4 milhões; em 2024, foram R$ 669,7 milhões; e, apenas nos primeiros nove meses de 2025, já totalizavam R$ 647,9 milhões. Os dados revelam ainda que os tratamentos clínicos e cirúrgicos respondem por mais de 90% do custo total, evidenciando o peso do manejo de casos avançados e reforçando a importância de investir em prevenção.
Para a Fundação do Câncer, mudar esse quadro passa não apenas por uma maior conscientização da população, como também por investimentos no acesso aos exames e uma estratégia integrada de saúde pública. “O câncer colorretal tem prevenção e tratamento eficazes quando detectado cedo. O Brasil não pode continuar diagnosticando a maioria dos casos em estágio avançado”, destaca o relatório.