Há poucas décadas, falar de menopausa era um tabu. Como não havia quase nada que se pudesse fazer a respeito – sequer valia a pena reclamar. Os sintomas – como ondas de calor, insônia, irritabilidade e queda da libido, entre outros – eram como segredos incômodos ou sinais de decadência.
Nos últimos anos, essa realidade foi se transformando. Médicos, especialistas, famosas e influencers, a mídia e, sobretudo, a ciência passaram a jogar mais luz sobre o tema. Há que se considerar também que hoje, as mulheres na menopausa seguem representando uma faixa importante da força de trabalho.
Mesmo com o crescimento da discussão, nem todos os profissionais de saúde estão preparados para orientar adequadamente as pacientes. De acordo com um estudo que traçou o perfil das brasileiras na menopausa, a partir de 1.500 entrevistas com mulheres entre 45 e 65 anos, 73% delas têm sintomas, mas apenas metade faz algum tipo de tratamento. Publicado na revista científica Climacteric, o trabalho foi feito em conjunto por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Faculdade de Medicina do ABC e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 2022.
O mesmo levantamento demonstrou que, em média, as brasileiras entram na menopausa aos 48 anos. Vale lembrar que a menopausa é caracterizada pelo encerramento definitivo dos ciclos menstruais, ocorrendo quando a mulher fica 12 meses consecutivos sem menstruar, sem que exista outra causa aparente. Já a perimenopausa ou climatério é o período de transição que o antecede e pode começar de três a dez anos antes da última menstruação.
Depois da menopausa, com os hormônios já estabilizados em um patamar mais baixo, surgem outras questões: as mulheres ficam mais predispostas a alterações metabólicas, osteoporose e doenças cardiovasculares.
A polêmica da terapia de reposição hormonal (TRH)
A perimenopausa e a menopausa são fases pelas quais todas as mulheres passam naturalmente – e nenhuma delas deveria atravessá-las sozinha. Hoje, a medicina proporciona ferramentas para lidar melhor com os sintomas e com as consequências das mudanças hormonais no corpo.
A terapia de reposição hormonal (TRH) continua sendo o tratamento mais eficaz para controlar sintomas e prevenir doenças associadas ao envelhecimento feminino, de acordo com a ginecologista e obstetra Lúcia Helena Paiva, presidente da Comissão Nacional Especializada em Climatério da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Como o nome já indica, o tratamento consiste em repor parte dos hormônios que passam a ser produzidos em menor quantidade pelo corpo feminino, como o estrogênio e a progesterona. Isso ajuda não só a reduzir os sintomas, como a prevenir doenças cardiovasculares e osteoporose.
A TRH ganhou popularidade entre as décadas de 1980 e 1990, mas em 2002 sofreu um revés. Naquele ano, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, o Women’s Health Initiative (WHI), reduziu drasticamente o uso. As interpretações iniciais do estudo indicavam que quem estava repondo hormônios nessa fase tinha risco aumentado para doenças cardiovasculares e câncer de mama.
Trabalhos posteriores, contudo, mostraram que havia limitações importantes no WHI, e sugeriram que os resultados eram contraditórios. Ensaios clínicos feitos mais tarde mostraram que as taxas de câncer de mama eram, na verdade, menores, entre mulheres que faziam reposição de estrogênio. Mas era tarde demais. A pesquisa foi suficiente para que as taxas de uso da reposição hormonal despencassem no mundo todo. Nos Estados Unidos, as prescrições caíram de 40% para 5%, em duas décadas, segundo dados publicados na revista científica Jama Network, em 2024.
“Ao longo desse período, a ciência evoluiu e hoje temos um conhecimento mais aprofundado sobre os riscos e benefícios da reposição hormonal”, explica a ginecologista Lúcia Helena. Agora, o uso vem retomando adeptas. “Graças a novos estudos e à chegada de formulações mais seguras. Entre as inovações, estão os adesivos, géis e sprays transdérmicos, que liberam hormônios de forma contínua e reduzem efeitos adversos”, acrescenta.
De modo geral, a reposição hormonal é contraindicada para grupos específicos, como mulheres que tiveram câncer de mama, trombose ou doenças cardiovasculares. Mesmo assim, seu acesso ainda é limitado. “Poucas mulheres usam a TRH, seja por falta de informação, de prescrição médica ou pela ausência dessas terapias no sistema público”, diz a especialista. No SUS, o tema carece de diretrizes consolidadas e oferta regular de medicamentos.
O que há no horizonte
Além da reposição tradicional, existem novos fármacos não hormonais que prometem aliviar os sintomas mais intensos. É o caso do fezolinetanto e do elinzanetanto, substâncias que agem diretamente no sistema nervoso central e já foram aprovadas em alguns países. Ambas estão em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e podem representar uma revolução para mulheres com contraindicações à reposição.
Estratégias complementares, como alimentação equilibrada, atividade física e sono reparador também têm um papel fundamental. “Essas medidas ajudam a preservar a saúde cardiovascular, a massa óssea e a cognição — influenciam diretamente a idade biológica da mulher”, destaca Lúcia.
Naturalizar o ciclo
A revalorização da menopausa também inspira novas abordagens — como a ginecologia natural, que entende o climatério como parte do ciclo vital feminino. A médica ginecologista Bel Saide é uma das representantes da vertente e atende mulheres que não querem, não podem ou não se identificam com a reposição hormonal. “A mulher não é obrigada a fazer esse tipo de tratamento. Ela precisa ter o direito de escolher como quer cuidar do próprio corpo”, defende Bel, que também atua como terapeuta.
Na prática, Bel utiliza uma combinação de plantas medicinais, suplementação individualizada, mudanças de estilo de vida e práticas de autocuidado, com o objetivo de auxiliar na regulação dos fogachos, insônia, ressecamento vaginal e alterações de humor. Mas a especialista enfatiza que o processo vai além dos sintomas físicos: “A menopausa traz à tona questões emocionais e existenciais. É um convite à reconexão e à redefinição da própria identidade”.
Ela defende um olhar simbólico sobre essa fase. “É uma ascensão, não uma decadência. Quando a mulher muda sua percepção, até os sintomas diminuem. A mente tem papel enorme na forma como o corpo sente”, argumenta. A visão dialoga com um movimento crescente de reapropriação do corpo e da ciclicidade feminina, impulsionado por redes sociais e comunidades de autocuidado. Bel reforça que não é contra a terapia de reposição hormonal. “Pode responder em vários casos, mas nem sempre é o único caminho”, destaca.
As duas abordagens parecem antagônicas, mas, de certa forma, se aproximam ao valorizar a informação, a individualização e a qualidade de vida. “Os desafios científicos e éticos hoje incluem treinar profissionais para ouvir melhor as mulheres e combater o marketing excessivo que explora a menopausa como mercado”, ressalta a médica da Febrasgo, Lúcia Paiva.
Bel concorda com a ideia de que as mulheres precisam estar no centro do cuidado e receber um olhar único. “O que a mulher precisa é se sentir bem. Isso é possível com uma rede ampla de cuidados, e cada mulher deve poder escolher o que faz sentido para ela”, destaca a terapeuta.
O que é necessário para uma mulher, pode não ser para outra. De qualquer forma, o importante é romper o tabu. “As gerações anteriores não tinham referência, agora o debate está na mídia e nas redes sociais, o que ajuda muito”, reconhece Lúcia Helena.
Além de estimular mais pesquisas científicas, isso tem gerado efeito, inclusive, nas políticas públicas. Há um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe a criação de uma Política Nacional de Atenção à Menopausa e ao Climatério, com foco em reduzir desigualdades regionais e de acesso. Uma iniciativa que certamente vai ampliar o acesso à informação e aos tratamentos a diferentes perfis raciais e socioeconômicos.
“Cada mulher vive essa fase de um jeito. A função do profissional de saúde é oferecer orientação e acolhimento, para que ela decida o que quer fazer”, resume a ginecologista da Febrasgo. Bel acrescenta: “A menopausa é uma travessia. Quando a mulher se permite olhar para dentro, descobre uma potência que estava adormecida”. A menopausa não é o fim, como se acreditava, mas o início de uma nova forma de existir.