Dia Mundial do Diabetes: avanços melhoram qualidade de vida dos pacientes

Descobertas e novidades recentes em terapias e medicamentos prometem mais segurança e conforto para pessoas que convivem com a doença – que tem aumentado significativamente no Brasil e no mundo

Diabetes
Foto: Pixabay

Uma das maiores emergências de saúde pública, o diabetes afeta mais de 540 milhões de adultos em todo o mundo, embora 43% deles ainda não saibam disso, por falta de diagnóstico. Só no Brasil, são 16,6 milhões de diabéticos. Os dados são do Atlas 2024 da Federação Internacional de Diabetes (IDF). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de casos mais que quadruplicou desde 1980. Para chamar atenção para o aumento alarmante de casos e reforçar a importância da prevenção, do diagnóstico e do tratamento, a IDF e a OMS criaram o Dia Mundial do Diabetes, que, desde 1991, acontece a cada 14 de novembro.

O diabetes é uma doença crônica caracterizada pela elevação persistente da glicose no sangue, o que chamamos de hiperglicemia”, explica a endocrinologista e metabologista Tassiane Alvarenga, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
“Essa alteração ocorre quando há deficiência na produção de insulina ou quando o corpo deixa de utilizá-la de forma adequada”, acrescenta. A insulina é um hormônio natural produzido pelo pâncreas e tem um papel essencial no controle dos níveis de açúcar no sangue. É ela quem permite que a glicose entre nas células e seja usada como energia.

No diabetes tipo 1, o sistema imunológico destrói as células do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina. É uma doença autoimune, geralmente diagnosticada na infância ou adolescência, e exige o uso de insulina desde o início”, diz a médica. “Já o diabetes tipo 2 está relacionado à resistência à insulina”, diferencia. Nesse caso, o corpo até produz o hormônio, mas ele não age corretamente.

Quando não controlado, o diabetes afeta vasos sanguíneos e nervos, provocando complicações micro e macro vasculares. “Entre as principais complicações estão a retinopatia, que pode levar à perda da visão; a nefropatia, que compromete os rins; a neuropatia, que causa dor e perda de sensibilidade; e as doenças cardiovasculares, como infarto e AVC”, destaca a endocrinologista.

Segundo ela, o diabetes tipo 2 representa cerca de 90% dos casos e está fortemente associado ao estilo de vida, obesidade, sedentarismo e predisposição genética – o que pode ajudar a explicar o crescimento da doença nas últimas décadas.

O envelhecimento populacional é outro fator importante para o aumento da incidência. “Nos idosos acima de 65 anos, a prevalência do diabetes chega a 23% no Brasil, enquanto, no mundo pode chegar a 30%”, observa o endocrinologista Fadlo Fraige, presidente da Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD). Isso ocorre porque, com o passar dos anos, o organismo tende a responder menos à ação da insulina.

Os avanços do tratamento

A boa notícia é que as possibilidades de tratamento vêm evoluindo. De acordo com a endocrinologista Tassiane, da SBEM, o atual momento é promissor, neste sentido. “Nos últimos anos, surgiram classes de medicamentos que não apenas controlam a glicose, mas também protegem o coração, o rim e ajudam no controle do peso corporal”, diz a médica.

Entre as inovações, estão as drogas que imitam a ação natural de um hormônio conhecido como GLP-1, como semaglutida e tirzepatida. São as populares “canetas emagrecedoras”, como ficaram conhecidos os medicamentos injetáveis. O GLP-1 é um hormônio natural, cuja função é estimular o pâncreas a liberar insulina e reduzir a glicose no sangue. Além disso, retarda o esvaziamento do estômago e aumenta a sensação de saciedade, o que contribui para o controle do peso corporal.

Para os especialistas, a inovação precisa ser usada com cautela. “Quando medicamentos sérios viram ‘moda’, corre-se o risco de desviar o foco do tratamento real. A finalidade principal é o controle do diabetes e a proteção cardiovascular, não a estética”, diz Fraige.

Entre os avanços na área dos fármacos, há ainda os inibidores de SGLT2, que ajudam a eliminar glicose pela urina e protegem o coração e os rins. “Essas medicações representam algumas das maiores evoluções dos últimos 20 anos”, avalia Tassiane, que lembra ainda dos avanços das insulinas modernas. “Hoje, temos versões de ação ultrarrápida e ultralenta, que se assemelham mais à fisiologia natural do corpo”, explica.

O monitoramento contínuo da glicose com sensores aplicados na pele foi outro avanço que revolucionou o cuidado diário. “Os sensores contínuos de glicose permitem o monitoramento em tempo real, com alertas automáticos para hipo e hiperglicemia. Aplicativos conectados ajudam o paciente e o médico a entender padrões, ajustar doses e planejar alimentação e atividade física. O maior ganho é a autonomia do paciente, que passa a enxergar as respostas do próprio corpo e a tomar decisões mais conscientes”, diz Tassiane.

Segundo os especialistas, as novidades têm ajudado a tornar o tratamento do diabetes mais seguro, eficiente e humanizado. Infelizmente, não para todos.

Desigualdade no acesso ao diagnóstico e ao tratamento do diabetes no Brasil

O SUS e a maioria dos planos não cobrem sensores contínuos, nem as insulinas mais modernas”, diz Fadlo Fraige, que avalia a situação atual do diabetes no país como preocupante. “Não temos um programa de diabetes para diagnóstico precoce, centros de tratamento integrado e equipes multidisciplinares, como existe para o câncer ou para as doenças do coração”, destaca.

O Brasil teve, sim, conquistas importantes, como a Lei Federal 11.347/2006, que garante o fornecimento gratuito de medicamentos e insumos pela rede pública, diferente do que acontece em muitos países – inclusive os mais desenvolvidos. Apesar disso, a ausência de programas estruturados não permite o acesso igualitário ao diagnóstico e ao tratamento. Além disso, as equipes e as ferramentas disponíveis têm uma distribuição irregular, em diferentes partes do território nacional.

O impacto econômico e social é gigantesco, já que a doença é responsável por grande parte das complicações crônicas que sobrecarregam o sistema de saúde brasileiro. “As complicações do diabetes ocupam cerca de 44% dos leitos hospitalares em hospitais gerais. É a principal causa de hemodiálise, amputações de membros inferiores e perda de visão. Além dos custos diretos, há o absenteísmo (ausência frequente ou prolongada do trabalho) e as aposentadorias precoces, que oneram a Previdência Social”, lembra Fraige.

No Brasil, cerca de 80% dos pacientes dependem exclusivamente do SUS. Isso cria uma divisão entre quem pode pagar por tratamentos de ponta e quem precisa lidar com recursos limitados. “Temos duas realidades: uma pública e outra privada. Na rede básica há medicamentos essenciais, mas não há acesso aos de última geração, nem a profissionais especializados”, lamenta Fraige.

Terapia do futuro e inteligência artificial: o que ainda vem por aí?

Embora o Brasil ainda precise avançar – e muito – na questão da popularização do acesso, as tecnologias e inovações continuam progredindo mundo afora. “A inteligência artificial já é usada (inclusive no Brasil) para análise de padrões glicêmicos, predição de hipoglicemias, ajuste automatizado de doses de insulina e até na integração entre sensores e bombas, criando sistemas híbridos de pâncreas artificial”, exemplifica Tassiane. “Na prática médica, também contribui na personalização do tratamento, cruzando dados clínicos, genéticos e de estilo de vida para definir condutas mais assertivas”, acrescenta.

Para Fraige, o futuro passa por medicamentos inteligentes e terapias celulares. “Veremos insulinas semanais, smart insulinas (canetas injetoras que se conectam a aplicativos) e sistemas de infusão contínua com inteligência artificial substituindo a ação do pâncreas. Em paralelo, pesquisas com células-tronco e terapia genética caminham para tentar regenerar as células produtoras de insulina, principalmente no diabetes tipo 1”, prevê. Os especialistas consultados por IstoÉ concordam: a tecnologia não substitui o cuidado humano.

Vida saudável e informação

Mesmo com avanços e novidades, o controle do diabetes ainda depende de escolhas diárias. Segundo a médica da SBEM, cuidar do diabetes é cuidar da vida. O estilo de vida, portanto, é o principal pilar do tratamento, envolvendo:

  • alimentação equilibrada;

  • atividades físicas;

  • sono reparador;

  • cuidados com a saúde emocional.

Embora o medicamento seja o alicerce que sustenta o caminho, mas é o comportamento que constrói a ponte para a longevidade”, conclui a especialista.