Diagnósticos de autismo disparam; especialistas explicam causas e desmentem fake news

Entre tantas notícias e conclusões imprecisas ou inverídicas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma declaração do presidente Donald Trump contribuiu para reativar um debate antigo

Mulher grávida segura comprimido
Foto: Freepik

O número de diagnósticos de autismo nunca foi tão alto. De acordo com um levantamento divulgado em 2025 pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, 1 a cada 31 crianças na faixa de 8 anos de idade está no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Já no Brasil, de acordo com o Censo 2022, o primeiro a trazer dados sobre autismo, 2,4 milhões de pessoas declararam ter recebido o diagnóstico – a maior proporção está na faixa etária de 5 a 9 anos. Além de preocupação, o tema ainda gera muitas dúvidas.

Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, associou o uso do paracetamol na gestação ao autismo. A informação foi desmentida por diversos órgãos de saúde mundo afora, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirmou não haver evidências sobre a relação do medicamento com o TEA. De acordo com o consenso médico, o paracetamol (também chamado de acetaminofeno) é um dos medicamentos que podem ser usados com segurança durante a gravidez. Além de levar à desinformação sobre um tema importante, a polêmica declaração de Trump trouxe à pauta do dia uma discussão antiga.

No final dos anos 1990, o autismo foi associado – erroneamente – às vacinas, devido a um famoso estudo publicado por um médico britânico. O próprio autor declarou, em seguida, que não era uma relação comprovada, mas apenas uma hipótese, logo desmentida. Ainda assim, as taxas de vacinação sofreram impactos e a desinformação circula até hoje, causando medo nos pais e dobrando o trabalho dos profissionais de saúde e cientistas, que seguem tendo de explicar que os imunizantes são seguros.

O “culpado” da vez é o paracetamol. “A desinformação é nociva à saúde em todos os aspectos. No caso particular do autismo, isso tem sido um grave problema desde sempre, em virtude da complexidade do transtorno e das fortes emoções que o diagnóstico suscita nos pais e demais familiares”, explica o neuropediatra Marcio Moacyr Vasconcelos, porta-voz do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), professor de Pediatria da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do perfil @autismopedia.

Mas o que está por trás dessas teorias? A seguir, o neuropediatra Marcio Moacyr Vasconcelos, da SBP, e o neuropediatra Carlos Gadia, referência internacional em autismo, esclarecem alguns pontos importantes e contam o que a ciência sabe até agora sobre o TEA.

O que é autismo?

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que compromete a comunicação e as interações sociais. Pode ainda gerar comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos. O termo atual é transtorno do espectro autista (TEA) e a intensidade se divide em três níveis de suporte. Em alguns casos, a pessoa tem dificuldades apenas nas relações interpessoais. Nos mais extremos, pode demonstrar incapacidade e dependência total de terceiros para as atividades do dia a dia.

Curva crescente

De fato, o número de casos subiu, como mostram os exemplos de Brasil e Estados Unidos. “Acredita-se que boa parte desse aumento decorra da ampliação do conhecimento e do acesso ao diagnóstico”, aponta Vasconcelos. Junto, vieram as alterações nos critérios de investigação. Até 1994, o que caracterizava o autismo era a ausência de comunicação e interação social. O que mudou, a partir daí, foi que a definição passou a englobar um déficit na qualidade de interação social e da comunicação, em comparação a outras crianças, da mesma faixa etária.

Antes disso, a prevalência era de 0,3 autistas a cada mil pessoas. Poucos anos depois, passou para 13 por mil, um aumento de 3.600%”, ressalta Gadia. Mas ainda hoje, segundo o especialista, aproximadamente 40% das causas desse aumento da prevalência não têm explicação adequada. “Acreditamos que essa porcentagem deve estar associada a fatores ambientais, que ainda não foram definitivamente identificados”, avalia.

Além do estudo fraudulento sobre as vacinas feito nos anos 1990, já houve tentativas malsucedidas de associar o autismo ao timerosal (conservante também usado em vacinas), ao consumo de glúten e a alergias alimentares. Como o paracetamol é um dos analgésicos mais utilizados na gravidez, vários estudos nos últimos anos exploraram essa possibilidade.

Paracetamol x autismo

Sobre a associação propagada entre paracetamol ou acetaminofeno, o neuropediatra Carlos Gadia explica que é importante entender a diferença entre correlação e causa. “No verão, acontecem duas coisas: as pessoas tomam mais sorvete e ocorrem mais ataques de tubarão na praia. Então, isso quer dizer que tem mais ataques de tubarão na praia porque as pessoas comem sorvete? Claro que não”, compara, para esclarecer que esta é uma correlação, ou seja, são dois fatos que acontecem ao mesmo tempo, mas não existem indícios de que um é causa do outro.

Para Gadia, além do aspecto ideológico, a suposta relação reforçada por Trump possivelmente foi baseada em um estudo publicado neste ano na revista Environmental Health, que consistiu em uma revisão sistemática de evidências entre a associação de acetaminofeno, autismo, TDAH e outros transtornos de desenvolvimento. “Nessa revisão, os pesquisadores analisaram oito estudos que, na realidade, mostram pouca evidência de correlação”, afirma o neuropediatra.

Entre os estudos analisados nesta revisão sistemática, estava uma das maiores pesquisas já feitas sobre o tema, que avaliou 2,5 milhões de mães e crianças com autismo, assim como mães de irmãos e irmãs sem diagnóstico de autismo, na Suécia. Segundo Gadia, o trabalho revelou uma modesta associação do uso de acetaminofeno pelas mães, durante o período pré-natal, e do autismo. Mas essa ligação aparecia apenas quando não havia comparação com o grupo controle (grupo de participantes que não recebe a intervenção que está sendo testada, nesse caso, os irmãos sem diagnóstico de autismo).

Uma das possibilidades é de que o autismo esteja relacionado a alguma infecção, que pode ter levado a mãe a precisar do medicamento – e não ao uso do medicamento em si.

Fatores de risco: o que a ciência já sabe

O autismo é um transtorno complexo com inúmeras causas e fatores de risco. Sabe-se, por exemplo, que 20 a 30% dos casos possuem uma explicação genética”, afirma o neuropediatra Vasconcelos, da SBP. Determinados eventos durante a gravidez, como infecções congênitas, privação de oxigênio, exposição a alguns medicamentos como valproato (usado para epilepsia e transtorno bipolar) e a prematuridade constituem fatores de risco significativos. As descobertas mais recentes consistem principalmente nos métodos de investigação genética.

Porque a palavra “cura” não faz sentido

De tempos em tempos, surgem também teorias indicando a descoberta de alguma “fórmula mágica” ou solução para o autismo. Uma que ficou famosa recentemente dizia respeito ao uso de ácido fólico (vitaminas do complexo B). Mais uma vez, trata-se de uma teoria que tem um fundo de verdade, mas vem sendo difundida de maneira distorcida.

Alguns estudos, de fato, sugerem que o ácido fólico ou derivados podem melhorar a comunicação e a linguagem em casos específicos. “A maioria dos estudos, porém, são pequenos e de pouca qualidade”, afirma Gadia, que ressalta a importância de pesquisas mais robustas para comprovar sua utilidade em grupos selecionados.

Por fim, vale lembrar que o autismo não é considerado uma doença, e sim um transtorno de neurodesenvolvimento. Por isso, falar em “cura” não se aplica aqui. O que pode, inclusive, gerar falsas esperanças. Por outro lado, existem intervenções e terapias que visam melhorar habilidades e oferecer autonomia às pessoas do espectro. Em um cenário em que a desinformação ainda se espalha com facilidade, é cada vez mais importante que famílias e profissionais busquem fontes confiáveis.