A trombose, doença que se caracteriza pela formação de um coágulo sanguíneo (trombo) dentro de um vaso sanguíneo (veias e artérias), impedindo ou dificultando o fluxo sanguíneo, é mais comum do que se imagina. Só no primeiro semestre de 2025, segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 36 mil casos. Além disso, de acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), a doença é responsável por cerca de 165 internações todos os dias no país.
Esses coágulos podem causar dores, inchaço e uma lesão localizada. Porém, em casos mais graves, há o risco de se deslocarem pela corrente sanguínea e causar infartos, AVC ou embolia pulmonar. A seguir, conheça as causas da doença e veja como se prevenir.
O que é trombose?
Todo mundo precisa desse mecanismo para formar coágulos, como explica o cardiologista Eduardo Lima, coordenador da unidade de aterosclerose do Instituto do Coração, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (InCor-HCFMUSP). “Todos nós temos que ter capacidade de formar coágulos quando necessário, para reparar danos nos vasos e evitar sangramentos em caso de cirurgias ou cortes, por exemplo. Porém, quando esse coágulo é formado espontaneamente, sem necessidade, acontece a trombose”, afirma.
Existem dois tipos principais de trombose: a venosa ou venosa profunda (formadas nas veias, que transportam sangue para o coração) e a arterial (formada nas artérias, que transportam o sangue do coração para o restante do corpo). Ambas acontecem de maneira parecida, com a formação de um coágulo no vaso sanguíneo, mas apresentam consequências diferentes.
“A trombose é uma condição potencialmente fatal”, alerta o médico Tomaz Crochemore, membro da Sociedade Brasileira de Trombose e mestre em coagulação, trombose e hemostasia. “Seja uma trombose arterial ou venosa, ela requer uma atenção médica especial e muitas vezes uma tomada de decisão imediata”, explica.
Os riscos da trombose venosa
A trombose venosa (ou venosa profunda) é o tipo mais comum da doença. Ela acontece principalmente nas veias dos membros inferiores, como as pernas, panturrilhas e coxas. Quando o coágulo obstrui uma pequena veia da perna, as consequências podem ser localizadas, como inchaço, dor e edema localizado.
Esses coágulos podem se deslocar e causar consequências mais graves, no entanto, conforme alerta Tomaz Crochemore: “um trombo venoso pode se desprender de onde está e se deslocar para o pulmão, por exemplo, e causar uma embolia pulmonar, que pode ser fatal”.
A embolia pulmonar se caracteriza por uma súbita falta de ar, dores no peito, batimento cardíaco acelerado e dificuldade para respirar. Nesses casos, o atendimento rápido é essencial para evitar complicações.
A empresária Ana Cristina Pucci de Souza, de 50 anos, sofreu essa complicação. “Em 2023, eu comecei a sentir muitas dores nas costas e no pulmão esquerdo. Achei que não fosse nada, mas a dor não melhorava. Até que fui ao hospital e descobri, por meio de uma tomografia, que era embolia pulmonar”, relembra.
Ela tem uma mutação genética e hereditária associada ao aumento do risco de desenvolvimento de trombose, o fator V de Leiden. “O fator V de Leiden faz o sangue coagular mais facilmente. Meu pai também já teve embolia pulmonar e vários coágulos pelo corpo pelo mesmo fator”, explica.
Ana Cristina conseguiu identificar a embolia rapidamente, fez o tratamento com remédios anticoagulantes por um ano, mas até hoje recebe acompanhamento médico regularmente.
A trombose arterial pode levar a um AVC
No caso das tromboses arteriais, os coágulos se formam nas artérias e podem ter sequelas graves. “A principal consequência da trombose arterial é algum tipo de doença cardiovascular, como o AVC e o infarto do miocárdio (ataque cardíaco). Lembrando que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo”, alerta o cardiologista do InCor.
Entre os principais sinais do infarto estão dor no peito que pode se estender para o braço, forte pressão ou sensação de peso no peito, dificuldade para respirar e batimentos cardíacos desregulados.
Alguns fatores de risco podem aumentar a possibilidade de uma pessoa ter trombose, como:
Lesão do vaso sanguíneo, comum em traumas, acidentes ou cirurgias
Longos períodos de imobilização, ou seja, pessoas que passam muitas horas sentadas sem se movimentar, fazem viagens longas ou ficam muito tempo acamados depois de um procedimento cirúrgico
Uso de anticoncepcionais, uma vez que eles aumentam a coagulação sanguínea;
Uso recreativo de testosterona e outros hormônios sexuais
Desidratação
Sobrepeso e obesidade
Tabagismo
Hipertensão arterial
Colesterol elevado
Hipercoagulação, que pode ser causada por fatores genéticos
Outros fatores genéticos, como o Fator V de Leiden, explicado no início da reportagem
Um estudo feito pelo Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), em 2024, mostrou ainda outro aspecto que pode ser determinante para a trombose: o excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia). Segundo os pesquisadores, a hiperglicemia provoca alterações no tecido que reveste internamente os vasos sanguíneos, promovendo a formação de coágulos no sangue. A pesquisa foi divulgada na revista científica Journal of Thrombosis and Haemostasis.
Os especialistas ouvidos por IstoÉ ressaltam que, com frequência, um paciente com trombose apresenta a junção de alguns desses fatores. “Um paciente com sobrepeso, fumante e que vai fazer uma viagem longa de avião, por exemplo, tem um risco alto de desenvolver uma trombose”, exemplifica o médico Thomaz Crochemore, da Sociedade Brasileira de Trombose.
É um mito que a trombose surge apenas em um grupo específico de pessoas. “A doença também pode atingir também pacientes jovens e saudáveis que sofrem algum trauma, por exemplo. Então, a trombose precisa ser prevenida todos os dias”, acrescenta o especialista do InCor.
Como é feito o diagnóstico e o tratamento da trombose
O diagnóstico da trombose é feito principalmente por meio de uma avaliação clínica e do histórico médico do paciente para identificar fatores de risco. Assim como por meio de um exame físico, onde o médico avalia sintomas que indicam a presença de trombose.
“São analisados os vasos sanguíneos, principalmente das pernas, a respiração, a mobilidade dos membros inferiores e se existe algum sinal de inflamação ou edema”, explica Thomaz Crochemore. Além disso, podem ser feitos exames de imagens como a tomografia e o doppler venoso, uma espécie de ultrassom das veias.
O tratamento da trombose é feito principalmente pelo uso de medicamentos anticoagulantes, que tem a função de inibir o crescimento do trombo já formado e inibir a formação de outros coágulos.
O tratamento rápido é necessário para evitar complicações maiores, como alerta o especialista da Sociedade Brasileira de Trombose: “um paciente que teve um coágulo pequeno na perna que se desprendeu e foi para o pulmão, teve uma embolia pulmonar bem pequena. Mas se você não tratar essa embolia pulmonar, o próximo coágulo formado pode ser grande e fatal”, alerta Crochemore. Segundo o especialista, a anticoagulação, feita de maneira precoce e adequada, reduz as chances de mortalidade de 30% para 2%.
Em casos mais graves e de emergência, como em caso de embolia pulmonar, AVC ou infarto, pode ser necessário dissolver o coágulo ou removê-lo em procedimentos chamados de terapia trombolítica e trombectomia mecânica, respectivamente.
A trombose é uma doença prevenível
A trombose é, na maioria dos casos, uma doença prevenível. Manter-se saudável, fisicamente ativo e atento à saúde do coração são as principais maneiras de preveni-la, orientam os especialistas ouvidos pela IstoÉ. Isso implica ainda tratar doenças crônicas que são fatores de risco, como a diabetes e a hipertensão arterial.
Há ainda prevenções que podem ser feitas em momentos específicos, como antes e durante uma viagem longa: “a imobilização é um grande fator de risco, então uma pessoa que faz muitas viagens longas precisa usar meias elásticas, mexer as pernas a cada duas horas e se manter hidratado. Além disso, pessoas que já tem predisposição para desenvolver trombose podem tomar medicamentos anticoagulantes como forma de prevenção”, explica Thomaz Crochemore.
É o caso da Ana Cristina de Souza, do início da reportagem. “Precisei mudar alguns hábitos, como tomar anticoagulantes quando faço viagens longas, ter uma vida saudável, fazer exercícios físicos para controlar o peso e beber bastante água. Além disso, não posso fumar ou tomar qualquer tipo de hormônio”, conta a empresária.
Em casos de cirurgias de longa duração, um pedido de avaliação pré e pós-operatório faz parte do protocolo dos hospitais para a prevenção da trombose. “No pós-operatório também é importante se movimentar e evitar ficar imobilizado para diminuir os riscos”, pontua o cardiologista Eduardo Lima, do InCor.