O home office, que se consolidou como alternativa emergencial durante a pandemia, hoje revela impactos que vão além da produtividade, especialmente quando o assunto é saúde mental. Um estudo recente realizado pela Universidade de Melbourne (Austrália), em parceria com a Universidade de Leiden (Países Baixos), entre outras instituições, avaliou os impactos do tempo de deslocamento diário e do trabalho remoto (WFH, na sigla em inglês) na saúde mental de homens e mulheres australianos.
Em resumo, a pesquisa descobriu que o tempo gasto no deslocamento diário até o trabalho pode prejudicar a saúde mental, enquanto a alternativa do trabalho remoto oferece alguns benefícios, especialmente para mulheres. Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram dados de cerca de 16 mil trabalhadores australianos, coletados ao longo de 20 anos.
“A pesquisa mostra que a Austrália está bem à frente do Brasil nesse ponto. Isso porque, quando o assunto é modelo de trabalho, por aqui as discussões ainda focam na produtividade, enquanto por lá já existe a preocupação com a saúde mental”, destaca a consultora de bem-estar e produtividade Patrícia Nagase. “E veja que a pesquisa foi baseada em dados coletados antes mesmo da pandemia da covid-19, quando o percentual de trabalho remoto era baixo ou pouco discutido no Brasil”, completa a especialista.
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A análise australiana mostrou ainda que deslocamentos mais longos estão associados à piora do bem-estar mental entre homens, sobretudo aqueles que já apresentavam sinais de sofrimento psicológico. O impacto, segundo os autores, é real, mas moderado: quanto maior o tempo perdido no trajeto entre caso e trabalho, maior o desgaste emocional.
Já o trabalho remoto apresentou efeitos positivos significativos na saúde mental das mulheres, principalmente quando elas trabalham de casa metade da semana (ou mais). Esses ganhos foram mais relevantes entre mulheres que já tinham níveis mais preocupantes de saúde mental, sugerindo que o home office pode funcionar como um fator de proteção para grupos mais vulneráveis.
Embora o contexto socioeconômico da Austrália e do Brasil sejam diferentes, a consultora de bem-estar e produtividade Patrícia Nagase pontua que a sobrecarga dos cuidados com a casa e a família também parece pesar mais sobre as mulheres do que sobre os homens daquele país, como ocorre por aqui.
“No Brasil, segundo as estatísticas (do IBGE), as mulheres dedicam 21 horas em média, por semana, a afazeres domésticos e cuidados com pessoas, enquanto os homens gastam em torno de 11 horas”, lembra Patrícia. “É evidente que isso acaba criando desigualdade nas questões relacionadas ao trabalho. Por essa razão, a flexibilidade do trabalho remoto é um diferencial principalmente para as mulheres”, acrescenta a especialista.
Por fim, o estudo australiano também apontou que os efeitos do trabalho remoto e do deslocamento não são iguais para todos: pessoas com pior saúde mental sentem impactos mais intensos (positivos ou negativos) do que aquelas que se dizem bem emocionalmente.
Para os pesquisadores, os resultados reforçam a importância de políticas de flexibilidade no trabalho, não apenas como estratégia de produtividade, mas como ferramenta de promoção da saúde mental, especialmente para trabalhadores que já enfrentam questões mentais.
E o que o Brasil pode aprender com esses resultados ao definir suas políticas de trabalho? A discussão dos modelos de trabalho, seja presencial, remoto ou híbrido, segundo Patrícia Nagase, é fundamental. “Acho que existe, sim, uma tendência à flexibilização do trabalho no futuro, motivada principalmente por essa nova geração de trabalhadores, que têm demandas e desejos diferentes em relação à carreira”, diz.
“Porém, a questão é menos sobre onde vamos trabalhar (em casa ou no escritório) e mais sobre como vamos trabalhar, ou seja, quais serão as adaptações que teremos de realizar, especialmente enquanto gestores, tendo em vista esses novos modelos”, conclui a especialista.