Os jovens estão impulsionando uma mudança no consumo de bebidas alcoólicas no Brasil. Uma nova pesquisa do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA ), realizada pela Ipsos-Ipec, aponta que o número de pessoas que deixaram de beber cresceu no país — e o movimento é puxado por adultos mais jovens, com idade entre 18 e 34 anos. Em 2025, 64% dos brasileiros declararam não consumir álcool, contra 55% em 2023. Entre os mais jovens, o salto é ainda mais expressivo: a abstinência subiu de 46% para 64% na faixa de 18 a 24 anos e de 47% para 61% entre adultos de 25 a 34 anos.
De acordo com Mariana Thibes, doutora em sociologia e coordenadora do CISA, esse comportamento reflete transformações culturais e de valores entre as novas gerações. Ela aponta que diversos fatores contribuem para essa redução. “O primeiro é uma mudança no comportamento dos jovens, que preferem sair mais cedo e voltar para casa antes da meia-noite, priorizando o descanso e um dia seguinte produtivo”, afirma.
Além disso, o cuidado com a saúde física e mental aumentou. “Essa geração se preocupa mais com o bem-estar, com a performance esportiva, com o peso e, principalmente, com a saúde mental. Se antes o álcool era associado apenas à diversão, hoje muitos jovens o veem como algo que pode prejudicar a imagem, o rendimento e a saúde”, observa.
Outro dado revelado pela pesquisa é que o consumo abusivo caiu de 20% para 13% entre os mais jovens, de 18 a 24 anos. A quantidade também mudou: entre os que bebem, a maioria consome apenas uma ou duas doses por ocasião.
Quem bebe mais e quem bebe menos?
O aumento da abstinência também é diferente, de acordo com o grau de escolaridade e a classe social. Entre pessoas com ensino superior, a proporção de pessoas que não bebem passou de 49% para 62%; nas classes A e B, foi de 44% para 55%. A redução do consumo também é mais visível nas regiões metropolitanas e capitais, especialmente no Sudeste.
Mesmo com o aumento do consumo entre mulheres nas últimas décadas, os homens continuam liderando as estatísticas. Eles representam 65% dos consumidores abusivos, e o consumo mais pesado (sete doses ou mais) é significativamente mais prevalente entre eles.
“As mulheres são maioria entre os abstêmios, enquanto os homens ainda se destacam no consumo abusivo e pesado”, explica Mariana. “Entre elas, quase metade (45%) consome apenas uma ou duas doses”, acrescenta.
A pesquisa apontou ainda um recorte preocupante: o alcoolismo continua mais presente entre homens jovens, de 25 a 34 anos, com menor escolaridade. “Embora o uso nocivo seja um problema que atinge toda a população, as consequências negativas são mais presentes entre as pessoas mais vulneráveis socialmente”, observa Mariana Thibes.
O impacto desigual aparece, inclusive, nas taxas de mortalidade. “Na análise que fizemos em 2024, vimos que, embora os negros não consumam mais álcool que os brancos, eles são os que mais morrem por conta do alcoolismo. Isso tem a ver com o acesso a tratamento, que é muito mais difícil para as pessoas mais pobres”, pontua. “Além disso, o alcoolismo é uma doença carregada de estigmas, o que retarda ainda mais a procura por ajuda”, ressalta.
Internações e mortes por álcool ainda crescem
O relatório revela dados preocupantes sobre o impacto do álcool na saúde pública. Em 2023, 73 mil mortes foram associadas ao uso de álcool, um aumento de 10% em 13 anos. Já em 2024, o Brasil registrou mais de 418 mil internações relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas — 24% a mais que em 2010.
O consumo abusivo segue presente em 15% da população brasileira. Existe ainda uma falsa percepção de moderação, já que, segundo o levantamento, 82% dos bebedores abusivos acreditam que bebem de forma moderada, e apenas 9% reconhecem que exageram e precisam mudar.
“A interpretação errada do próprio padrão de consumo é um dificultador para a mudança de hábito”, explica o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do CISA. “Ser mais tolerante ao álcool, ou seja, beber muito e não sentir os efeitos, não significa ser mais resistente ou estar protegido dos prejuízos. Pelo contrário: aumentar a quantidade para atingir os efeitos desejados é um sinal de alerta”, destaca.
Para o CISA, os resultados reforçam a necessidade de campanhas educativas e políticas públicas preventivas, especialmente voltadas aos grupos de maior risco. “Precisamos olhar com atenção para quem está mais vulnerável”, resume Mariana Thibes. “A boa notícia é que há uma mudança de comportamento em curso — e ela começa justamente entre os jovens”, completa.