O Brasil ocupa o topo do ranking mundial de cirurgias plásticas e o segundo lugar em procedimentos estéticos, segundo relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) divulgado este ano. Entre as cirurgias mais procuradas, de acordo com o documento da ISAPS, estão aumento das mamas, cirurgia das pálpebras e abdominoplastia. Já os procedimentos que mais fazem sucesso são a toxina botulínica (popularmente conhecida como botox), o ácido hialurônico e o procedimento para rejuvenescimento da pele com efeito lifting.
O destaque do Brasil nas cirurgias plásticas e nos procedimentos estéticos se deve a fatores como o clima tropical, que incentiva maior cuidado com o corpo, a alta qualificação dos profissionais e o crescimento do turismo médico. Tanto a pressão estética quanto o preço dos procedimentos, no entanto, favorecem a busca por clínicas clandestinas.
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Só em 2025, a Operação Estética com Segurança, da Anvisa, interditou seis clínicas de estética em quatro estados e no Distrito Federal na primeira fase. E na segunda etapa, identificou irregularidades em 35 dos 38 serviços de estética e embelezamento fiscalizados. A influenciadora Juliana Oliveira, mais conhecida como Juju do Pix, se tornou uma das vítimas mais emblemáticas desse fenômeno.
Caso Juju do Pix
Natural de Passo Fundo (RS), Juju do Pix ficou famosa depois de compartilhar sua trajetória após um procedimento estético malsucedido que a deixou com deformações no rosto.
Tudo começou em 2017, quando Juliana, que é uma mulher trans, se submeteu a um procedimento em uma clínica clandestina, com a esperança de melhorar traços femininos. Ao todo, ela recebeu 21 injeções de óleo mineral na face, substância que ela acreditava ser silicone industrial, que resultou em graves complicações à saúde da influencer ao longo dos últimos anos.
Por conta das deformações faciais, Juliana passou a enfrentar dificuldades para trabalhar. A alternativa encontrada pela influencer foi pedir doações em dinheiro para viabilizar uma cirurgia reparadora, o que lhe rendeu o apelido Juju do Pix. A influencer passou a sofrer ataques nas redes depois de confessar que usou parte do dinheiro para outros fins, como comprar uma moto.
Recentemente, o caso voltou aos holofotes com a chegada do cirurgião plástico Thiago Marra. Juju passou por uma cirurgia de reconstrução facial e os resultados positivos têm sido divulgados pela influencer e pelo médico nas redes sociais.
Riscos dos materiais inadequados
De acordo com a dermatologista, Paola Pomerantzeff, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD), o óleo mineral é uma substância derivada do petróleo, que, em versões purificadas, pode ser usado em cosméticos de uso tópico, porém jamais inoculada no organismo. “Não sabemos a fórmula exata do produto usado em Juliana, apenas que era algum tipo de óleo mineral, ou seja, uma substância não aprovada para preenchimento e que se comporta como corpo estranho quando injetada no rosto ou no corpo”, explica Paola Pomerantzeff.
Por ser reconhecido como um corpo estranho permanente pelo organismo, a introdução do óleo mineral pode causar uma reação inflamatória aguda, ou seja, rápida e de curta duração, que pode se transformar em uma inflamação crônica. “Além da deformidade da região pode haver necrose de tecido, infecção local ou sistêmica e migração do material para áreas vizinhas”, completa a especialista.
Para piorar, os riscos são cumulativos e aumentam com o volume aplicado, conforme destaca o dermatologista Pedro Jordão Caldas Ferreira, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Segundo o médico, com o tempo, o organismo pode desenvolver:
Inflamação crônica, muitas vezes silenciosa por anos;
formação de granulomas e fibrose progressiva;
episódios de reativação inflamatória desencadeados por infecções, imunidade baixa, trauma ou processos hormonais.
“A substância não é absorvida e permanece impregnada nos tecidos. Por isso, muitas complicações só aparecem anos depois da aplicação. O material continua ativo no organismo e pode gerar novos surtos de inflamação ao longo da vida”, alerta o dermatologista Caldas Ferreira. Tais efeitos colaterais não seguem uma linha do tempo previsível. Em algumas pessoas, começam logo após a aplicação. Em outras, podem levar meses ou até anos para aparecer.
Efeitos colaterais
Procedimentos estéticos, mesmo aqueles autorizados pela Anvisa, podem causar efeitos colaterais. É fundamental observar alguns sinais de alerta nos dias após o tratamento, como ressalta a dermatologista Camila Sampaio Ribeiro:
Vermelhidão persistente;
Dor;
Calor anormal;
Inchaço;
Nódulos que aumentam de tamanho;
Endurecimento da pele;
Alteração na coloração da pele;
Deformidades progressivas;
Febre;
Secreção de qualquer tipo.
Em resumo, se um sintoma piorar, em vez de melhorar com o tempo, é motivo para procurar ajuda médica imediata. Além disso, o que as vítimas podem fazer juridicamente nesses casos?
“Registrar um boletim de ocorrência é fundamental para dar início ao processo. Também é possível denunciar o responsável à Vigilância Sanitária e ao conselho profissional pertinente”, afirma Camila Sampaio Ribeiro. “Em muitos casos, cabe pedir indenização por danos morais, materiais e estéticos, além de acionar (o médico ou a clínica) juridicamente por responsabilidade civil ou até criminal, dependendo da gravidade. O ideal é conversar com um advogado especializado em direito do consumidor ou direito médico”, completa a dermatologista.
Preconceito sobre mulheres trans
A pressão estética pode ser ainda maior no caso das mulheres trans, como a influencer Juliana Oliveira. Para a dermatologista e palestrante Vivian Amaral, há ainda mais agravantes, uma vez que elas enfrentam barreiras financeiras e nem sempre encontram acolhimento nos sistemas de saúde. “Clínicas clandestinas se aproveitam dessa vulnerabilidade, oferecendo resultados ‘milagrosos’, preços baixos e sem qualquer respaldo médico ou científico. Isso não é uma falha individual — é um problema estrutural de acesso, acolhimento e informação”, resume Vivian Amaral.
A dermatologista Gabriela Borges Barra concorda. “A expectativa social de ‘passabilidade’ pesa intensamente, pois ser reconhecida como mulher impacta diretamente a segurança nas ruas, o acesso ao mercado de trabalho, as relações sociais e a redução da violência e da discriminação”, explica.
Para quem deseja tornar o rosto ou o corpo mais feminino, a principal orientação dos especialistas consultados por IstoÉ é a busca de profissionais habilitados, que utilizem produtos aprovados pela Anvisa e ofereçam expectativas realistas. “A feminilização é um processo que deve ser conduzido com segurança, planejamento e respeito à individualidade de cada pessoa”, acredita Gabriela Borges Barra.