Nova medicação pode revolucionar combate à tuberculose

Estudo realizado com o antibiótico sorfequiline reduziu a duração do tratamento, um dos grandes desafios relacionados à doença que mata 1,3 milhão de pessoas todos os anos

Médica ausculta pulmões de paciente
Foto: Freepik

Uma nova medicação contra a tuberculose, o antibiótico sorfequiline, trouxe esperança no combate à doença. Combinado aos medicamentos pretomanida e linezolida, em um tratamento que recebeu o nome de SPaL, o sorfequiline demonstrou ação mais potente contra a bactéria causadora da doença do que os tratamentos já existentes, com nível de segurança semelhante. Esses foram os resultados de uma pesquisa realizada pela TB Alliance, organização global sem fins lucrativos que se dedica ao desenvolvimento de tratamentos para a tuberculose, apresentada na Conferência Mundial sobre Saúde Pulmonar esta semana em Copenhagen (Dinamarca).

O ensaio clínico de fase 2 contou com a participação de 309 pacientes de 22 centros na África do Sul, Filipinas, Geórgia, Tanzânia e Uganda, com diferentes esquemas de dosagem. Um dos principais achados diz respeito à duração do tratamento: um regime de 100mg SPal, em comparação ao protocolo padrão feito com isoniazid, rifampin, pyrazinamide, and ethambutol, foi altamente eficaz no combate à tuberculose. Segundo os pesquisadores, tudo indica que a nova medicação poderá reduzir a duração do tratamento, que atualmente leva no mínimo seis meses, para cerca de oito semanas.

Em nota, a TB Alliance anunciou que vem intensificando a colaboração com países de alta carga da doença — entre eles, Índia, China, Indonésia, África do Sul e Brasil — para realizar a próxima etapa da pesquisa (ensaio clínico de fase 3, com maior número de participantes) em 2026.

Por que tantas pessoas ainda morrem de tuberculose?

Causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, a tuberculose se transmite pelo ar, especialmente em locais fechados, lotados e pouco ventilados. A infecção se espalha quando o indivíduo doente fala, tosse ou espirra, liberando gotículas respiratórias que podem ser inaladas por outras pessoas. A doença afeta prioritariamente os pulmões (forma pulmonar), mas pode acometer outros órgãos. A forma extrapulmonar, ou seja, que atinge outros órgãos, ocorre com mais frequência em pessoas com HIV, especialmente aquelas com comprometimento imunológico.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 10,6 milhões de casos registrados no mundo e 1,3 milhão de mortes, números que seguem elevados apesar da disponibilidade de métodos de diagnóstico e de tratamentos padronizados. No Brasil, foram 78 mil novos casos e 4,5 mil mortes notificadas em 2023, o que mantém a doença como uma das principais causas de óbitos evitáveis e como tema permanente na vigilância epidemiológica.

Por que ainda tantas pessoas morrem de tuberculose? Uma das respostas está diretamente relacionado à vulnerabilidade social, segundo o pneumologista Ricardo Siufi, professor da Faculdade São Leopoldo Mandic e consultor científico de A Casa dos Agentes, espaço de acolhimento e formação para agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate às endemias (ACE).

Entre os fatores de risco globais da tuberculose, estão incluídos pobreza, desnutrição, moradias superlotadas e com ventilação inadequada. Além disso, a probabilidade clínica é maior em pacientes privados de liberdade (população carcerária) e pessoas em situação de rua, assim como em pacientes com HIV”, explica Siufi. “Mesmo sendo uma doença tratável e prevenível, a tuberculose ainda mata, e muito”, conclui Ricardo Siufi.

Um levantamento realizado pela Universidade de Pernambuco (UPE), em 2024, por exemplo, ressalta que pessoas em situação de rua têm um risco 54 vezes maior de desenvolver tuberculose em comparação à população geral.

A infectologista Rosana Richtmann, do Grupo Santa Joana, destaca que os investimentos em novos fármacos contra a tuberculose não são tão frequentes quanto os destinados a antivirais, embora a doença seja bastante comum. “Vemos o mesmo acontecer em relação à malária, doença de chagas e esquistossomose, que são doenças que impactam principalmente as populações menos favorecidas e de países mais pobres”, afirma a especialista, que também é médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas.

De acordo com a TB Alliance, a última grande novidade no combate à doença aconteceu em 2012, com a chegada do antibiótico bedaquilina, uma então promessa no tratamento da tuberculose resistente a medicamentos. Recentemente, porém, houve um crescimento do número de cepas da bactéria que já não respondem à bedaquilina.

Desafios no combate à tuberculose

A boa notícia é que a tuberculose tem cura. Mas o tratamento precisa ser iniciado o quanto antes. Quando tratada com o esquema padronizado de medicamentos disponibilizados tanto na rede privada quanto no Sistema Único de Saúde, as chances de cura da tuberculose inicial chegam a 95%. Segundo o pneumologista Ricardo Siufi, o tratamento leva aproximadamente seis meses, a depender do caso, e utiliza combinações de rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol nos primeiros quatro meses, seguido de uma fase de manutenção de mais dois meses com os medicamentos rifampicina e nefazida.

Um dos maiores desafios do combate à tuberculose é exatamente a duração do tratamento. Como já existe uma melhora clínica depois de algumas semanas que o paciente iniciou a medicação, fica mais difícil convencê-lo a manter os protocolos. Efeitos adversos frequentes, como reações cutâneas, náuseas e danos ao fígado, também fazem o paciente desistir do tratamento antes da hora”, explica Rosana Richtmann.

A baixa adesão pode levar ainda a outro obstáculo, a resistência bacteriana. “Se o paciente começa a esquecer de tomar o remédio ou desiste de vez do tratamento por um tempo, a bactéria pode desenvolver resistência à medicação. Quando ele decide retomar o esquema, já não terá mais o mesmo sucesso terapêutico”, alerta a infectologista do Grupo Santa Joana.

Por essa razão, os especialistas consultados por IstoÉ receberam com otimismo o ensaio clínico da TB Alliance. “A possibilidade de um tratamento com menor duração é bem-vinda”, afirma Richtmann. A especialista ressalta que além da adesão, essa característica do novo esquema deve reduzir também a transmissão da doença. “A pesquisa tem potencial para mudar o tratamento da tuberculose no futuro, embora sejam necessárias mais evidências científicas”, finaliza Siufi.