Do shot matinal à soroterapia: nutróloga diz o que é ciência e o que é risco à saúde

Em entrevista à IstoÉ, a médica critica soluções simplistas, esclarece a polêmica do álcool e reforça: “problemas complexos não se resolvem com soluções simplistas”

A diretora da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia) dra. Marcella Garcez participou do IstoÉ Saúde Entrevista e trouxe uma leitura cirúrgica sobre os novos dilemas da saúde contemporânea: inflamação silenciosa, suplementação sem indicação, emagrecimento acelerado e o impacto real das drogas da classe GLP-1 — fenômeno nacional.

Reconhecida pela atuação ética e pela defesa da medicina baseada em evidências, Garcez desmonta mitos populares, esclarece polêmicas e reforça algo essencial: “problemas complexos não se resolvem com soluções simplistas”.

Inflamação silenciosa: o inimigo invisível do século

Um dos pontos centrais da entrevista foi a chamada *inflamação crônica de baixo grau*, termo que viralizou nas redes, muitas vezes de forma distorcida.

“Infelizmente, ela existe — e está relacionada a mortalidade precoce, declínio cognitivo, doenças crônicas e até envelhecimento acelerado.”

A nutróloga reforça que esse estado inflamatório é marcado pelo excesso de citocinas, estresse oxidativo, fadiga, piora da imunidade e alterações na pele, como manchas, vermelhidão e aspecto envelhecido.

Mas a frase que mais repercute é categórica: “Shot de cúrcuma ou suco detox não tratam inflamação silenciosa.”

A raiz do problema, segundo ela, envolve:

  • estilo de vida desregulado;
  • sono ruim;
  • alimentação inflamatória;
  • sedentarismo;
  • doenças metabólicas como obesidade, resistência à insulina e dislipidemias.

Quando emagrecer envelhece: um sinal de alerta

Em meio à popularização dos análogos de GLP-1 e dietas restritivas, Garcez abre um alerta que muitas pessoas ignoram: “Se a pessoa emagrece e envelhece — perde cabelo, fica com pele flácida, unhas fracas — o emagrecimento está mal conduzido.”

Para ela, o emagrecimento bem feito é justamente o contrário: “Ele rejuvenesce. Ele melhora a vitalidade, a pele e a composição corporal.”

E isso só acontece quando há:

  • ingestão adequada de proteínas;
  • preservação de massa muscular;
  • exercícios de força;
  • acompanhamento profissional;
  • correção de deficiências nutricionais.

Soroterapia: “Soro da beleza não existe”

Sobre um dos temas mais polêmicos da internet — a soroterapia — a nutróloga não mede palavras. “O nome já é ruim. Soro da beleza não existe. Se tiver alguma coisa ali que realmente faça efeito, pode trazer riscos.”

Ela reforça que:

  • qualquer substância injetável é considerada *dose de medicamento;
  • só pode ser utilizada após prescrição médica;
  • e jamais deve ser aplicada em salões, shoppings ou clínicas sem estrutura.

Indicações reais existem — como deficiência de ferro em bariátricos, gestantes com hiperemese (vômito excessivo), idosos frágeis ou atletas de altíssima performance —, mas são casos específicos, clínicos e individualizados.

Creatina é útil — mas não é proteína.

Um dos pontos mais aguardados foi a grande dúvida do momento: creatina funciona para todos? Garcez esclarece: “Creatina não substitui proteína. E para sedentários, os benefícios são mínimos.”

Quem realmente se beneficia:

  • idosos ativos;
  • praticantes de força;
  • pessoas em risco de sarcopenia;
  • indivíduos em processo de emagrecimento que precisam preservar massa muscular.

Ela também chama atenção para um mito comum: “Creatina não é o ovo ou a carne que a pessoa não comeu. A base é sempre proteína completa”.

Magnésio, vitamina D e ferro: as deficiências mais comuns

A nutróloga desmonta outra narrativa frequente: a ideia de que “todo brasileiro precisa suplementar magnésio porque o solo é pobre”. “Isso não justifica suplementar a população inteira. Isso é mito”, diz.

Segundo ela:

  • ferro e vitamina D seguem como as deficiências mais expressivas no Brasil;
  • mas magnésio deve ser suplementado *apenas quando há diagnóstico clínico ou laboratorial.

A verdade sobre o álcool: “não existe dose segura”

Um dos momentos mais surpreendentes foi a atualização científica sobre álcool. “Hoje sabemos que não existe dose segura para bebida alcoólica. Nenhuma”, afirma.

A mudança se deve a estudos recentes pós-pandemia, que derrubaram a antiga ideia da “tacinha benéfica”.

Ela orienta: consumo eventual, com moderação, longe de hábito diário — e preferencialmente evitar.

GLP-1: redução do apetite, melhora metabólica e até impacto no consumo de álcool

Sobre as famosas canetas semaglutida e tirzepatida, Garcez esclarece:

  • semaglutida tem efeitos comprovados sobre redução de compulsão, preferência alimentar e até diminuição do consumo de álcool;
  • tirzepatida ainda não tem estudos suficientes nessa linha — é mais recente;
  • ambas exigem prescrição, acompanhamento e rastreabilidade, jamais obtidas por fontes ilegais.

“O grande perigo é a automedicação e o uso de canetas contrabandeadas. Isso é seríssimo”, comenta.

A mensagem final da especialista

Ao encerrar a entrevista, a nutróloga resume tudo em um recado simples, direto e urgente: “Suplemento não substitui estilo de vida. E qualquer intervenção deve começar com avaliação médica. O objetivo não é viver mais, é viver melhor”.”