Em setembro deste ano, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), entre outras sociedades médicas, anunciou novas diretrizes relacionadas ao diagnóstico e prevenção de doenças cardiovasculares como aterosclerose, hipertensão, infarto e AVC. Uma das medidas inéditas anunciadas, que talvez tenha recebido menos destaque do que as novas recomendações relacionadas à pressão arterial e ao colesterol, foi a indicação para a aferição, ao menos uma vez na vida, dos níveis de Lipoproteína (a).
Também chamada de Lp (a), a Lipoproteína (a) é responsável por transportar colesterol pelo sangue e tem uma estrutura parecida com a lipoproteína de baixa densidade (LDL), o famoso “colesterol ruim”. A diferença é que a Lp (a) tem uma apoproteína (proteínas que se ligam a lipídios) a mais.
Essa característica faz com que a Lp (a) tenha alguns efeitos no organismo, como explica a cardiologista Fabiana Rached, coordenadora da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, da SBC. “A Lp (a) tem efeitos pró-aterogênicos, pró-inflamatórios e pró-trombóticos, aumentando a chance de aterosclerose, AVC, infartos e doença cardiovascular aterosclerótica recorrente”, afirma.
Em outras palavras, a Lp (a) em níveis elevados no organismo pode promover inflamação dos vasos sanguíneos, a formação de placas de gordura e colesterol nas paredes das artérias e tornar o sangue mais propenso a formar coágulos.
Agora existe, então, mais um motivo para deixar as gorduras de lado na dieta? Mais ou menos. Os níveis elevados da Lp (a) no organismo são determinados geneticamente, segundo a presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), Maria Cristina Izar: “todo mundo tem a Lp (a) no organismo, mas por algumas características genéticas, algumas pessoas vão ter níveis mais elevados. Por essa razão, os níveis de Lp (a) sofrem pouca ou nenhuma influência do estilo de vida, prática de exercícios ou dieta”, afirma a cardiologista.
Por que avaliar a Lp (a) agora?
A nova diretriz apresentada é resultado de uma série de estudos que comprovaram a relação entre os níveis elevados de Lp (a) e doenças cardiovasculares. A estimativa global é de que uma a cada cinco pessoas apresentam níveis elevados de Lp (a), segundo as especialistas ouvidas pela IstoÉ.
“Na nossa diretriz anterior, a dosagem de Lp (a) era recomendada somente em algumas situações, como em casos de dislipidemia genética ou histórico familiar de infarto prematuro. Já a atual foi criada para orientar todos os pacientes e prevenir doenças e complicações cardiovasculares”, explica a presidente da SOCESP.
Quem deve medir os níveis de Lp (a)
A nova diretriz recomenda que todas as pessoas façam a avaliação dos níveis de Lp (a) ao menos uma vez na vida, já que não há sintomas específicos que indiquem a presença de níveis altos da Lipoproteína (a). Por ser um fator determinado geneticamente, os níveis permanecem estáveis ao longo da vida, não havendo necessidade de repetir o exame.
Algumas situações exigem mais atenção em relação a realização do exame. “Pessoas com histórico familiar de doença cardiovascular precoce ou inexplicada, pacientes com eventos cardiovasculares recorrentes apesar de LDL-c controlado e pessoas com dislipidemias genéticas podem se beneficiar do exame”, alerta a cardiologista, Fabiana Rached, da SBC.
Além disso, alguns grupos populacionais tendem a portar níveis mais elevados de Lp (a), como negros e mulheres, segundo a especialista. No caso das mulheres, possivelmente porque os níveis de Lp (a) são afetados pela menopausa. Já no caso da população negra, o motivo estaria relacionado a fatores genéticos.
Vale lembrar também que o Lp (a) é um marcador de risco que pode se somar aos demais, como tabagismo, diabetes, sobrepeso e hipertensão. No entanto, ele também é independente, ou seja, pessoas saudáveis com colesterol controlado podem apresentar níveis elevados de Lp (a) e vice-versa.
Como é feito o exame
A avaliação dos níveis de Lp (a) é feita pelo exame de sangue convencional, basta pedir para o médico incluir o marcador de Lp (a). No entanto, o exame não está disponível na rede pública de saúde e não tem cobertura ampla nos planos de saúde. Em laboratórios particulares, os valores variam entre R$ 50 e R$ 100.
Para interpretar corretamente o resultado do exame, preste atenção aos números a seguir:
Valores recomendados: abaixo de 75 nmol/L (ou 30 mg/dL).
Valores de risco:
Acima de 125 nmol/L (ou 50 mg/dL) → agravantes de risco cardiovascular.
Acima de 390 nmol/L (ou 180 mg/dL) → condição de alto risco.
Qual o tratamento para reduzir o nível de Lp (a)?
Não há tratamentos específicos para o tratamento de níveis elevados de Lp (a) até o momento. Os medicamentos usados para baixar o colesterol (como estatinas e ezetimiba) não se mostraram eficazes para reduzir o Lp (a).
Além disso, ainda não há a comprovação de que reduzir os níveis da Lipoproteína (a) é um tratamento eficaz para reduzir os riscos cardiovasculares. Mas nem tudo são más notícias, como explica a presidente da SOCESP, Maria Cristina Izar. “Os estudos com alguns medicamentos que reduzem a Lp (a) estão em andamento. Dentro de cinco anos, possivelmente, teremos a comprovação de que a redução de Lp (a) também reduz ou não os riscos de infarto, AVC e morte”, afirma a especialista.
E até lá, o que fazer, se o resultado do exame apontar um grau elevado de Lp (a) no sangue? Apesar de não existirem medicamentos para controlar a Lipoproteína (a), as especialistas indicam que a melhor saída, por enquanto, é conter os demais fatores de risco cardiovascular, como diabetes, hipertensão, obesidade, tabagismo e colesterol elevado.