O que mudou na vida sexual dos brasileiros nos últimos 20 anos?

Pesquisa inédita com mais de 3 mil brasileiros revela um país mais plural e aponta como a internet tem impactado as relações

Casal em momento íntimo
Foto: Freepik

Uma pesquisa nacional encomendada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e realizada pelo Instituto Ideia traça um retrato amplo — e muitas vezes contraditório — da sexualidade dos brasileiros. O estudo, que ouviu 3.213 adultos de todas as regiões, sendo 54% mulheres e 46% homens, mostra avanços no reconhecimento da diversidade sexual e aponta como a internet mudou as maneiras como os jovens buscam informações sobre sexo, quando comparado com o primeiro estudo do Comportamento Sexual do Brasileiro, feito duas décadas antes, em 2005.

Apesar de 56% dos entrevistados considerarem o sexo essencial para a harmonia do casal, apenas 5,3% acreditam que seja um pilar da qualidade de vida. O levantamento também reforça desigualdades de gênero em termos de satisfação: quase 90% dizem sentir desejo sexual, mas apenas um terço das mulheres chega ao orgasmo em todas as relações, enquanto três quartos dos homens conseguem sempre. Metade dos entrevistados – principalmente mulheres – admitem já ter fingido orgasmo.

Para a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, o levantamento revela mudanças profundas no comportamento sexual do país. “É muito interessante perceber que, pelo menos no que diz respeito à vida sexual, o Brasil não tem se mostrado conservador”, diz ela, em entrevista à Isto É. “O que vemos é que a experimentação sexual, a vontade de se satisfazer das mais diferentes formas e a orientação de minorias como pansexualidade, bissexualidade e homossexualidade, são admitidas mais cedo pelas pessoas, sejam homens ou mulheres”, afirma a especialista. Ela destaca que, como a pesquisa foi feita por meio de um questionário anônimo, os resultados captam respostas mais fiéis sobre o que acontece entre quatro paredes.

De acordo com os dados obtidos pelo estudo, o número de brasileiros que se declaram exclusivamente heterossexuais diminuiu, enquanto a proporção de quem assume outras orientações aumentou. Entre os homens, 12,9% relatam já ter se relacionado com outros homens. Quase 70% das pessoas que tiveram relações sexuais no último ano estiveram com um único parceiro, mostrando predominância da monogamia.

Enquanto o número de vezes que as pessoas têm relações sexuais ficou menor, o tempo de cada relação aumentou. Há 20 anos, um número maior de brasileiros dizia ter relações de duas a três vezes por semana. Hoje, a maioria fica entre uma e duas. Já a duração média de cada sessão subiu de 10 para 15 minutos.

Na avaliação de Carmita, um dos aspectos mais transformadores revelados pela nova pesquisa é a forma como os mais jovens aprendem e iniciam a vida sexual. “O sexo virtual e a busca de informação por meio das mídias sociais acontece muito mais hoje. Antes, a iniciação era feita com colegas de escola, de bairro, do clube. Hoje, por vários meses e até anos, essa iniciação se dá virtualmente. Daí a dificuldade no início da vida sexual presencial, que acaba acontecendo alguns anos depois do que ocorria na pesquisa anterior”, afirma. Os dados mostram que hoje o início da vida sexual acontece por volta dos 19 anos. Em 2005, isso ocorria a partir dos 15.

Com afeto ou só por prazer?

Mesmo diante de todos os avanços em termos de pluralidade, alguns padrões culturais continuam presentes. “Se existe algo que ainda é conservador, é a dificuldade dos brasileiros de superarem frustrações sexuais e a questão de que ainda, em algum nível, misturem sexo e afeto. É bem menos do que na pesquisa de duas décadas atrás, mas ainda existe – e é maior entre as mulheres do que entre os homens”, afirma.

O levantamento também demonstra que ainda há muitos tabus no campo da saúde sexual masculina. Segundo os dados, 9,6% dos homens relatam ejacular mais rápido do que gostariam e 39% dizem que isso acontece de vez em quando; 20,8% consideram o tempo até a ejaculação “muito curto”. Pouco mais de 13% assumem ter dificuldades para manter a ereção, 20,3% enfrentam dificuldade em controlar a ejaculação e 12,3% relatam baixo desejo sexual.

Para o médico urologista Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), é urgente discutir a ejaculação precoce de uma forma mais aberta, tanto entre os homens, quanto entre os casais, já que se trata de uma situação extremamente comum. “A ejaculação precoce tem uma incidência relativamente alta, que varia, dependendo da faixa etária, de 20% até 38%, 40%”, diz o especialista, em entrevista à Isto É. “É uma condição bastante frequente. A maior parte das pessoas relata que é ocasional, mas há muitas que sempre têm ejaculação precoce e se sentem insatisfeitas com isso”, acrescenta.

A definição, segundo o médico, envolve não apenas o tempo, mas o impacto emocional. “O que caracterizamos como ejaculação precoce é aquela ejaculação que ocorre, em geral, com menos de cinco minutos após a penetração e que causa sofrimento para o casal. Se não causa sofrimento para os dois, não há problema”, diferencia.

A ocorrência acaba gerando um ciclo, segundo o especialista. “Quando o homem tem ejaculação precoce, isso gera ansiedade — o que acaba piorando a ejaculação precoce”, diz ele. A depender da intensidade, no futuro, pode até haver relação com uma disfunção erétil. Para Torres, a comunicação entre os parceiros é a chave. “Não adianta fingir que não incomoda. O melhor é uma conversa aberta. Muitas vezes, a causa é psicogênica, ligada à ansiedade e ao temor de performance”, avalia.

Sexualidade sob pressão

A saúde mental, aliás, é um dos fatores que impactam diretamente a função sexual e este foi outro ponto de destaque da pesquisa. Cerca de 25% dos entrevistados relataram ter uma rotina estressante; 27% disseram ter uma vida sedentária. Entre eles, 16,3% disseram fazer tratamento para ansiedade, enquanto 12,6% se tratam para depressão. Os números denotam uma integração cada vez mais acentuada entre saúde física, emocional e sexual.

Outro achado que expõe inconsistências no comportamento sexual dos brasileiros diz respeito à prevenção. Embora 31,6% dos entrevistados apontem o medo de contrair uma infecção sexualmente transmissível como principal preocupação e 31,2% temam não satisfazer o parceiro, mais da metade admite não usar preservativos nas relações. Ao mesmo tempo, cerca de um terço confessa ter traído o parceiro, e 46% já foi traída, cenário que mostra a urgência de ampliar a educação e estimular o diálogo sobre saúde sexual.

Falar sobre sexo é urgente

Ainda que o país se mostre menos conservador nas práticas íntimas, há silêncio, vergonha e desconhecimento sobre problemas comuns — tanto femininos quanto masculinos. “A ejaculação precoce, a disfunção erétil e a baixa libido ainda são tratadas com muito tabu. Os homens precisam saber que há tratamento, e pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de busca por qualidade de vida”, afirma Torres.

Os dados ajudam a compreender um país em transição — mais conectado e com uma diversidade maior, mas que ainda carrega pesos emocionais antigos. O desafio, agora, é transformar informação em cuidado, tanto com a saúde física, quanto com a saúde mental.