Pessoas que consomem quantidades grandes de álcool por semana têm risco 57% maior de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e encarar consequências mais graves do derrame em comparação a quem consome pouco a bebida. A conclusão é de um estudo do hospital Mass General Brigham, nos Estados Unidos, publicados na revista Neurology em outubro.
Os autores analisaram padrões de hemorragias cerebrais em pessoas atendidas no hospital entre 2003 e 2019. No total, foram avaliados 1.600 pacientes com hemorragia cerebral que não estivesse ligada a traumas e acidentes. Todos passaram por exames como tomografia e ressonância para avaliar o grau de comprometimento imediato do órgão após o AVC.
Cerca de 7% dos voluntários autodeclararam ingerir três ou mais doses de álcool por dia. Esse grupo apresentou hemorragias até 70% maiores, e a média de idade dos eventos entre eles foi aos 64 anos. Entre os que não tinham esse hábito, a média de idade do AVC foi aos 75 anos. Mesmo níveis menores de álcool, como duas doses diárias, aumentaram os riscos de hemorragia em regiões mais profundas do cérebro.
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O consumo etílico frequente está associado a outros fatores de risco para AVC, como pressão arterial elevada e queda das plaquetas. Esses indicadores elevaram a probabilidade de sangramentos profundos e de invasão dos ventrículos, região ligada a desfechos piores e incapacidade duradoura após o derrame.
“O álcool, quando consumido em excesso, eleva de maneira sustentada a pressão arterial e causa picos hipertensivos abruptos, danifica a parede das pequenas artérias cerebrais e interfere na coagulação. Com o tempo, essas alterações estruturais e hemodinâmicas tornam os vasos mais suscetíveis à ruptura”, explica a neurologista Gisele Sampaio Silva, do Einstein Hospital Israelita.
A bebida também altera a função hepática e eleva o risco de sangramento em cirurgias para tratar o quadro. “A soma desses fatores torna o quadro clínico mais grave e explica a mortalidade acentuada observada nesse grupo. Assim, o aumento de cerca de 2 a 2,5 vezes no risco reflete a combinação entre hipertensão, fragilidade vascular e alterações hematológicas que acompanham o consumo excessivo”, avalia Silva.
Vale lembrar que o AVC, por si só, já é um quadro delicado: até 50% das pessoas morrem e 30% ficam gravemente incapacitadas. Quando o álcool entra na equação, o cenário piora. Na pesquisa dos EUA, metade dos pacientes com AVC que bebia muito morreu em até 30 dias, índice quase 20% maior que no público geral.
“Esses achados reforçam a evidência de que o uso abusivo de álcool acelera o aparecimento de doenças cerebrovasculares e aumenta sua gravidade, inclusive em adultos jovens que, em tese, não apresentariam fatores de risco tradicionais”, analisa a neurologista. “O álcool é um dos fatores de estilo de vida que está por trás do aumento de casos de AVC em adultos com menos de 50 anos.”
Diversos estudos têm se dedicado a entender os impactos do hábito de beber na saúde. E as evidências mais atuais indicam que não há dose segura. “Mesmo o consumo considerado moderado está associado a maior incidência de lesões de pequenos vasos, micro-hemorragias e redução da integridade da substância branca do cérebro. Esses efeitos são cumulativos e se tornam mais pronunciados com o passar dos anos”, avisa a médica do Einstein. “Do ponto de vista neurológico e preventivo, a recomendação mais segura é evitar o consumo regular de álcool e manter hábitos que favoreçam a saúde.”