Saiba como manter o cérebro afiado a partir dos 50 anos

Hobbies criativos são uma das maneiras de retardar o envelhecimento cerebral, diz estudo publicado na revista Nature Communications. Especialistas relatam outros meios

Casal idoso monta quebra-cabeças
Foto: Freepik

Ter hobbies criativos, que envolvam pintura, dança, música e até mesmo videogames de estratégia, pode retardar o envelhecimento cerebral. É o que diz um estudo chileno publicado em outubro na revista Nature Communications. Com registros da atividade e da conectividade entre diferentes áreas cerebrais, os cientistas criaram um modelo para medir a idade cronológica em relação à idade biológica do órgão dos 1.473 participantes, que tinham entre 17 e 91 anos.

Um dos destaques da pesquisa foi a importância de aprender uma nova atividade criativa. O grupo que aprendeu a jogar um videogame de estratégia, o StarCraft II, apresentou redução da idade cerebral depois de algumas semanas, em comparação com o grupo de controle, que se dedicou a um jogo mais fácil. De acordo com os pesquisadores, uma possível explicação seria o envolvimento de múltiplas regiões cerebrais – inclusive mais do que em atividades cognitivas mais populares, como palavras cruzadas.

Conforme explica a geriatra Claudia Suemoto, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo (SBGG-SP) e do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da Universidade de São Paulo (USP), o pico da função cognitiva cerebral ocorre na terceira década de vida. Depois dessa fase, naturalmente, existe uma perda gradual da atenção, da memória e da velocidade do processamento, por exemplo.

“Essas perdas, de modo geral, não causam prejuízo no dia a dia, mesmo em pessoas de idade avançada”, diz. Existem diversos fatores, porém, que funcionam como uma reserva cognitiva ao longo da vida, para se ter um cérebro mais saudável na terceira idade. Não só atividades que estimulam o órgão diretamente, como também medidas de saúde em geral. E quais seriam esses cuidados?

De acordo com uma pesquisa da USP, realizada em parceria com outras instituições da América Latina, 40% dos casos de demência no mundo podem ser atribuídos a 14 fatores de risco modificáveis. E no Brasil, segundo a geriatra Claudia Suemoto, que participou do estudo, esse número fica em torno de 60%. Publicada na revista científica The Lancet, a lista inclui os seguintes fatores:

  • Escolaridade baixa (igual ou menos de 8 anos de educação formal);

  • Hipertensão arterial;

  • Obesidade;

  • Perda auditiva;

  • Traumatismo craniano;

  • Consumo excessivo de álcool;

  • Tabagismo;

  • Depressão;

  • Isolamento social;

  • Sedentarismo;

  • Diabetes;

  • Poluição do ar;

  • Colesterol alto;

  • Perda visual.

Como ressaltou o levantamento, a boa notícia é que esses fatores podem ser prevenidos e tratados. A seguir, especialistas consultados pela IstoÉ destacam os principais.

Por que treinar faz bem para o cérebro

Inúmeros estudos vêm demonstrando ao longo das últimas décadas que o exercício físico influencia direta e indiretamente a saúde cerebral. Em primeiro lugar, por estimular a circulação sanguínea, incluindo a do cérebro. Além disso, as atividades físicas melhoram também a qualidade do sono e favorecem a sensação de bem-estar.

As últimas pesquisas mostram ainda que os músculos têm um papel relevante no sistema imunológico, protegendo o organismo de inflamações. Durante a pandemia da covid-10, por exemplo, observou-se que pessoas com maior massa muscular tinham melhores desfechos da doença”, explica o neurocirurgião Julio Pereira. Um sistema imune equilibrado, vale lembrar, ajuda o cérebro a manter a homeostase (regulação dos sistemas) do organismo e a responder a lesões cerebrais com mais rapidez.

O álcool aumenta o risco de demência

Até mesmo o consumo moderado de álcool está associado ao risco de demência. Foi o que mostrou um estudo observacional publicado no BMJ Evidence Based Medicine, da Inglaterra. Um resultado que vai de encontro a pesquisas anteriores que sugeriam que beber socialmente teria um efeito protetor nesse caso. “No estudo, cada aumento consistente no número de doses por semana veio acompanhado de cerca de 15% a mais de risco de demência”, alerta a psiquiatra Olivia Pozzolo, pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

A psiquiatra ressalta que o organismo do idoso se torna mais sensível ao etanol com o tempo. Tanto por conta da queda de água corporal, quanto pelo metabolismo mais lento. “Além disso, o álcool piora sono e humor, queixas comuns na terceira idade e que podem mascarar sinais iniciais de demência”, explica Olivia. Outro perigo em potencial diz respeito à interação das bebidas com as medicações, que podem desregular a pressão, piorar arritmias e aumentar chance de quedas e traumas de cabeça, fatores que aceleram o declínio cognitivo.

Para a pesquisadora do Cisa, não é uma questão de condenar as confraternizações com bebidas alcoólicas, e sim de mudar os rituais. “Manter a companhia, mas com menos álcool, porque para o cérebro que já acumula comorbidades e remédios, cada dose a menos conta”, orienta.

Exames em dia

Não é à toa que diabetes, colesterol e hipertensão arterial estejam na lista dos fatores de risco para demência. A explicação está ligada à circulação sanguínea. Como ressalta o cirurgião Julio Pereira, o cérebro consome cerca de 25% da energia produzida pelo organismo, embora represente apenas 2% do peso corporal. “Qualquer problema que dificulte a chegada do sangue ao cérebro, pode alterar a vascularização do órgão e predispor a um quadro demencial”, esclarece.

Como essas doenças podem passar despercebidas, já que os sintomas muitas vezes são “silenciosos”, os especialistas consultados por IstoÉ alertam para a importância de diagnosticá-las e tratá-las o quanto antes. A relevância desse cuidado é reforçada por uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Tulane, em Nova Orleans (EUA), que mostrou que uma boa saúde cardiovascular pode contrabalancear o risco de demência em pessoas com diabetes tipo 2.

O papel da família e dos amigos

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a solidão afeta uma em cada seis pessoas no mundo. Os impactos à saúde física e mental causados pelo isolamento estão associados a aproximadamente 100 mortes por hora no mundo, de acordo com o relatório da Comissão sobre Conexão Social. O número equivale a cerca de 871 mil mortes por ano.

A terceira idade, para a maioria das pessoas, tende a ser uma fase de menor interação social, como lembra a geriatra Claudia Suemoto, da SBGG-SP. “Os filhos saem de casa, as pessoas se aposentam e muitos também perdem o cônjuge. Além disso, as famílias estão cada vez menores, portanto, as redes de apoio também estão mais enxutas”, resume.

Para explicar por que o isolamento social faz mal ao cérebro, a geriatra faz analogia com um computador. “Assim como o aparelho, que tem de processar uma informação para gerar uma ação, o cérebro também precisa de ‘inputs’ para funcionar”, compara. As conversas, nesse contexto, são como estímulos para a cognição. “Tanto que em sociedades onde as pessoas tendem a viver mais, os contatos intergeracionais são mais frequentes”, exemplifica.

Esse também é um dos motivos, segundo o neurocirurgião Julio Pereira, pelo qual a perda auditiva e a perda visual são prejudiciais à saúde mental. Quando há dificuldade para ouvir e enxergar, além de perder essas vias de estimulação cerebral, o idoso também tende a interagir menos com as pessoas ao redor.

O cérebro não se aposenta”

Além das ações preventivas já apontadas, manter o cérebro ativo continua sendo uma das maiores recomendações para garantir um envelhecimento saudável, segundo os especialistas ouvidos por IstoÉ. Seja com as tradicionais atividades como palavras cruzadas, sejam com atividades criativas, como as apresentadas no estudo do início da reportagem. Vale até mesmo voltar aos estudos! “Eu costumo brincar com meus pacientes que, ao contrário da memória, por exemplo, a resolução de problemas tende a melhorar com a idade. Não é à toa que os grandes líderes globais têm mais de 70 anos”, afirma o neurocirurgião Julio Pereira. “O cérebro não se aposenta, afinal”, completa.