Temperaturas extremas colocam vida de crianças brasileiras em risco

Quando as temperaturas estão extremamente baixas, as chances de um bebê morrer no primeiro mês após o nascimento crescem 364%, alerta estudo da Fiocruz

Aquecimento global - mundo em chamas
Foto: Freepik

As mudanças climáticas têm causado extremos de temperatura em diferentes locais do mundo, o que afeta a saúde de várias maneiras. Agora, um estudo inédito jogou luz sobre os efeitos do calor e do frio excessivo na mortalidade de crianças, de diferentes regiões do Brasil. A análise, feita em conjunto pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da London School e do Instituto de Saúde Global de Barcelona, indicou que a vulnerabilidade muda de acordo com a faixa etária. Enquanto recém-nascidos de 7 a 27 dias de vida são mais impactados pelo frio, crianças mais velhas sofrem mais com o calor.

Quando as temperaturas estão extremamente baixas, as chances de um bebê morrer no primeiro mês de vida crescem 364%, em comparação com condições normais. Já entre crianças de 1 a 4 anos ano, é o calor excessivo que aumenta as chances de morte em 85%. Em geral, o risco de mortalidade de crianças de até 5 anos chegou a ser 95% maior no frio extremo e 29% maior no calor extremo, em comparação a dias com temperatura amena.

O grupo de pesquisadores avaliou mais de 1 milhão de mortes de menores de 5 anos, em todos os 5.570 municípios brasileiros, e cruzaram com informações diárias de temperatura, ao longo de 20 anos, entre 2000 e 2019. Pela comparação das condições climáticas exatas dos dias das mortes e em dias próximos, foi possível mostrar de forma precisa o efeito imediato do frio e do calor sobre a saúde infantil. O estudo ainda identificou que o risco apresentou variações regionais, por idade e causas específicas.

De acordo com o professor do ISC/UFBA e colaborador do Cidacs, Ismael Silveira, que liderou o trabalho, a explicação para a vulnerabilidade das crianças pequenas aos efeitos das mudanças climáticas está no desenvolvimento ainda incompleto dos mecanismos de regulação térmica, que torna mais difícil a adaptação do corpo ao calor e ao frio. Nos dias mais quentes, além do desconforto, os riscos são de insolação, desidratação, problemas renais e doenças respiratórias e infecciosas. Já o frio pode levar à hipotermia, que desencadeia complicações respiratórias e metabólicas, e favorece o aumento de infecções.

A maior vulnerabilidade de crianças aos extremos climáticos já havia sido indicada por pesquisas internacionais. Porém, havia poucas evidências em escala nacional, em países com clima tropical. “O Brasil tem dimensões continentais e forte desigualdade socioeconômica, o que o torna um ‘laboratório natural’ para investigar os impactos do clima”, diz ele. “A cobertura e qualidade dos dados de óbitos e o uso de métodos estatísticos robustos favoreceram a superação dessa lacuna”, avalia Silveira, em nota à imprensa.

A pesquisa teve como base os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Conjunto de Dados Meteorológicos Diários em Grade do Brasil (BR-DWGD).  

O líder do estudo chama atenção para as desigualdades regionais, que podem estar relacionadas a diferenças climáticas, sociais, de infraestrutura e de acesso à saúde. Segundo os dados, a mortalidade de crianças menores de cinco anos relacionada ao frio atingiu o maior aumento (117%) no Sul, já a mortalidade relacionada ao calor foi maior no Nordeste (102%). As taxas elevadas de mortes de crianças permanecem concentradas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde a vulnerabilidade socioeconômica é maior e o acesso à infraestrutura básica, como saneamento e moradia adequada, segue desigual. Nesse contexto, o aumento das temperaturas representa uma ameaça adicional.

A mortalidade infantil é altamente sensível a fatores ambientais e pode ser um importante indicador das vulnerabilidades climáticas do país. Investir em monitoramento climático e epidemiológico é fundamental para proteger a saúde das próximas gerações”, conclui o professor.

De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a taxa global de mortalidade de menores de cinco anos caiu 61% (em 1990, foram 94 mortes por 1 mil nascidos; em 2023, 37). No Brasil, houve a queda de 4,4% ao ano na mortalidade infantil desde 2000, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal do Ministério da Saúde (MS). As mudanças climáticas, no entanto, podem ameaçar os resultados positivos das últimas décadas. “Os achados trouxeram uma importante evidência científica para políticas públicas, mostrando que o clima já tem impacto mensurável na saúde infantil, reforçando a necessidade de ações de adaptação às mudanças climáticas para proteger os grupos mais vulneráveis”, conclui o pesquisador.