Transmissão de HIV de mãe para filho cai de 50% para menos de 2%; entenda a evolução

Dados do último boletim epidemiológico da doença mostram que o país manteve a taxa de transmissão do HIV de mãe para bebê abaixo de 2%, cumprindo meta da OMS

Mãe com bebê saudável
Foto: Freepik

No Dia Mundial de Luta Contra a Aids, em 1° de dezembro, o Ministério da Saúde anunciou a eliminação da transmissão vertical do HIV, ou seja, quando o vírus é passado da mãe para o bebê. De acordo com dados do último boletim epidemiológico da doença, de 2025, o país manteve a taxa de transmissão do HIV de mãe para bebê abaixo de 2% e a incidência da infecção em crianças inferior a 0,5 caso por mil nascidos vivos. O que significa que o país interrompeu, de maneira contínua, infecções em bebês durante a gestação, o parto ou a amamentação, cumprindo as metas internacionais e os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ainda no âmbito materno-infantil, o país registrou uma redução de 7,9% nos casos de gestantes com HIV (7,5 mil) e de 4,2% no número de crianças expostas ao vírus (6,8 mil). O início tardio da profilaxia neonatal diminuiu 54%, evidenciando um avanço significativo na qualidade da atenção oferecida no pré-natal e nas maternidades.

Para a ginecologista e obstetra Helaine Milanez, membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), há muito o que se comemorar. “No início da década de 90, antes da criação da terapia antirretroviral (TARV), o índice de transmissão vertical ficava entre 25 e 50%, sendo que a imensa maioria das crianças morria durante o primeiro ano de vida”, recorda a especialista, que também é docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com a chegada do AZT ao país, o tratamento, somado à recomendação da não amamentação, já baixou esse número para 8%. Na sequência, descobriu-se que a cesariana eletiva também era uma intervenção eficaz nesse contexto, e em apenas uma década, a transmissão vertical caiu de 25-50% para 2,5%”, conta.

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A adesão aos coquetéis, como era chamado o tratamento na época, no entanto, era um obstáculo considerável para as gestantes. “Até meados dos anos 2000, eram 18 comprimidos por dia, com diversos efeitos adversos para as mães. Atualmente, o esquema para gestantes normalmente inclui somente dois comprimidos ao dia (tenofovir-lamivudina e dolutegravir), que, juntos, têm a capacidade de baixar a carga viral a níveis indetectáveis muito rapidamente em apenas duas semanas. Resumindo, sim, de lá para cá, passamos por uma grande evolução”, destaca Helaine Milanez.

Brasil registrou queda de 13% em número de mortes

Atualmente, de acordo com a UNAIDS, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, existem 40,8 milhões de pessoas com HIV em todo o planeta, sendo que 1,3 milhão de novas infecções ocorreram em 2024. Além disso, 9,2 milhões não têm acesso a tratamento. Já no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, 68,4 mil pessoas vivem com HIV, número que se encontra estável nos últimos anos.

Outro dado positivo apresentado pela pasta diz respeito à redução do número de mortes por aids: o Brasil registrou uma queda de 13% entre 2023 e 2024, o equivalente a cerca de mil vidas preservadas, de acordo com o novo boletim epidemiológico. E, pela primeira vez, em três décadas, o número de óbitos ficou abaixo de dez mil – em 2024, foram 9,1 mil, contra 10 mil em 2023. Os casos de aids também recuaram 1,5% no período, de 37,5 mil em 2023 para 36,9 mil no último ano.

Quem são as gestantes com aids em 2025

No Hospital da Mulher Prof. José Aristodemo Pinotti, da Unicamp, que acompanha cerca de mil mulheres, a taxa de transmissão vertical é em torno de 0% para mulheres em uso de TARV, com boa adesão e controle de comorbidades, segundo a ginecologista e obstetra Helaine Milanez. “A não ser que a gestante tenha alguma co-infecção associada (ao HIV) ou seja usuária de drogas de abuso, fatores que aumentam o risco de transmissão da doença”, explica.

O risco também tende a ser mais elevado em populações mais vulneráveis socialmente, como pessoas em situação de rua ou privadas de liberdade (encarceradas), especialmente se também houver associação a drogas de abuso, de acordo com a especialista. A médica faz um alerta, porém: o vírus HIV não faz distinção de classe social.

No início da pandemia, de fato, ele era mais comum em alguns perfis de mulheres, como profissionais do sexo, por exemplo. Mas isso mudou há pelo menos duas décadas”, afirma. “Atualmente, a maioria das gestantes que se infectam não faz parte dos grupos de risco e muitas delas só descobrem a doença durante o pré-natal. Não é coincidência que, tanto a aids quanto a sífilis, sejam mais prevalentes entre pessoas jovens, entre 15 e 25 anos, justamente a população em franca idade reprodutiva”, acrescenta a especialista.

Parto e amamentação com HIV indetectável

No ano passado, a Academia Americana de Pediatria mudou suas diretrizes em relação à amamentação por mulheres portadoras do vírus HIV. Desde então, se a carga viral da mãe for indetectável, de maneira sustentada, o aleitamento é permitido, caso ela queira. Já no Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria contraindica a amamentação nessas condições, por considerar o risco de transmissão do vírus por meio do leite materno.

A discussão, no entanto, fica mais complexa à luz das evidências científicas. “Um grande estudo sobre esse tema publicado em 2019, mostrou que, mesmo com tratamento eficaz e carga viral indetectável, o risco de transmissão vertical aumenta significativamente com a amamentação: enquanto mulheres que não amamentam têm taxas em torno de 0,07% a 0,09%, entre as que amamentam esse número sobe para cerca de 0,7%. Ou seja, a amamentação eleva em mais de dez vezes o risco de infecção do bebê”, afirma a ginecologista e obstetra Helaine Milanez, da Febrasgo.

Em relação ao parto, a especialista pontua que a recomendação da realização de uma cesárea eletiva (isto é, agendada, antes da mulher entrar em trabalho de parto) mudou há alguns anos. Atualmente, se a gestante estiver em uso de terapia antirretroviral (TARV) e mantiver a carga viral suprimida, a via de parto pode ser escolhida conforme os critérios obstétricos usuais. Como o risco de transmissão do vírus ao bebê durante o parto é baixo (inferior a 1% ou menos), o fato da mãe ser portadora do vírus não impede automaticamente o parto vaginal.

O que ainda precisa melhorar

O Brasil é signatário da meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) que prevê eliminar a aids como problema de saúde pública até 2030, cujas metas consistem diagnosticar 95% das pessoas vivendo com HIV e/ou aids, tratar 95% das pessoas diagnosticadas e ter, pelo menos, 95% dessas pessoas em tratamento, com carga viral suprimida até 2030. Duas dessas metas já foram alcançadas, segundo o Ministério da Saúde.

Para Helaine Milanez, um dos maiores obstáculos no combate à aids no país, atualmente, é a transformação da percepção da doença. “O avanço no tratamento, já que o Brasil tem um programa pioneiro, trouxe uma certa banalização da gravidade da aids. Muitas pessoas, especialmente os jovens, perderam o medo da infecção pelo HIV e abandonaram os métodos de prevenção. Mas vale lembrar que, embora tratável, a aids não é curável”, ressalta a médica.

A especialista ressalta ainda a importância do planejamento da gravidez, o que inclui a testagem e o controle de doenças, assim como a vacinação necessária, antes da concepção. “Como falei, embora a aids tenha se transformado em uma doença crônica, ela pode ser tratada, porém não curada. O ideal, sendo assim, é prevenir a doença, especialmente na gravidez”, finaliza.

*Com informações da Agência Brasil